segunda-feira, 22 de abril de 2024

Primeiros primeiros-ministros em Portugal

«Ministro universal assistente ao despacho» ― Mota
«Primeiro Ministro do Gabinete para o despacho universal» ― Pombal em 1775 (v. Monteiro 2008, D. José, p. 321)

Ministro assistente ao Despacho
1736-1747 cardeal Dom João da Mota e Silva (de jure)
1747-1750 Frei Gaspar da Encarnação [Dom Gaspar de Moscoso e Silva] (de facto)
1750-1772 Sebastião José de Carvalho e Melo, 1.º marquês de Pombal (de facto)
1772-1777 cardeal Dom João Cosme da Cunha (de jure)
1777-1787 Dom Pedro José de Noronha, 3.º marquês de Angeja (de jure)
1787-1788 Frei Inácio de São Caetano [nome secular?], arcebispo titular de Tessalónica (de jure[1]
1788-1800 Dom Tomás Xavier de Lima, 1.º marquês de Ponte de Lima (de facto)
1801-1801 Dom João Carlos de Bragança e Ligne, 2.º duque de Lafões (de jure)
1801-1804 Luís Pinto de Sousa Coutinho, 1.º visconde de Balsemão (de facto)
1804-1806 Dom Diogo José de Noronha, 8.º conde de Vila Verde (de jure)
1806-1807 António de Araújo de Azevedo, 1.º conde da Barca
1808-1817 Dom Fernando José de Portugal e Castro, 2.º marquês de Aguiar
1817-1817 João Paulo Bezerra de Seixas, 1.º barão de Itaguaí (de jure)
1817-1821 Tomás António de Vila Nova Portugal
1821-1821 Inácio da Costa Quintela (de facto)
1821-1823 Filipe Ferreira de Araújo e Castro (de facto)
1823-1825 Manuel Inácio Martins Pamplona Côrte-Real, 1.º conde de Subserra

Secretário do Gabinete
1736-1750 Frei Gaspar da Encarnação [Dom Gaspar de Moscoso e Silva]
Secretário do Rei (Escrivão da Puridade)
1740-1750 Alexandre de Gusmão

Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino
1736-1755 padre Pedro da Mota e Silva (irmão do cardeal da Mota)
1756-1777 Sebastião José de Carvalho e Melo, 1.º marquês de Pombal
1777-1788 Dom Tomás Xavier de Lima, 1.º marquês de Ponte de Lima
1788-1799 José de Seabra da Silva
1801-1804 Luís Pinto de Sousa Coutinho, 1.º visconde de Balsemão
1804-1806 Dom Diogo José de Noronha, 8.º conde de Vila Verde
1806-1807 António de Araújo de Azevedo, 1.º conde da Barca
1808-1816 Dom Fernando José de Portugal e Castro, 2.º marquês de Aguiar
1816-1817 António de Araújo de Azevedo, 1.º conde da Barca
1817-1817 João Paulo Bezerra de Seixas, 1.º barão de Itaguaí
1817-1821 Tomás António de Vila Nova Portugal
1821-1821 Inácio da Costa Quintela
1821-1823 Filipe Ferreira de Araújo e Castro

Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra
[1736-1739 António Guedes Pereira (de facto, Coutinho em Londres)]
1736-1750 Marco António de Azevedo Coutinho 
1750-1756 Sebastião José de Carvalho e Melo, 1.º marquês de Pombal
1756-1775 Dom Luís da Cunha Manuel
1775-1786 Aires de Sá e Melo
1786-1786 Martinho de Melo e Castro (interino)
1786-1788 Dom Tomás Xavier de Lima, 1.º marquês de Ponte de Lima (interino)
1788-1801 Luís Pinto de Sousa Coutinho, 1.º visconde de Balsemão
1801-1801 Dom João Carlos de Bragança e Ligne, 2.º duque de Lafões
1801-1803 Dom João de Almeida de Melo e Castro, 5.º conde das Galveias
1803-1804 João Rodrigues de Sá e Melo, 1.º conde de Anadia (interino)
1804-1804 Dom Diogo José de Noronha, 8.º conde de Vila Verde
1804-1808 António de Araújo de Azevedo, 1.º conde da Barca
1808-1812 Rodrigo de Sousa Coutinho, 1.º conde de Linhares
1812-1814 Dom João de Almeida de Melo e Castro, 5.º conde das Galveias (interino)
1814-1816 Dom Fernando José de Portugal e Castro, 2.º marquês de Aguiar
1816-1817 António de Araújo de Azevedo, 1.º conde da Barca
1817-1817 João Paulo Bezerra de Seixas, 1.º barão de Itaguaí (interino)
1817-1820 Tomás António de Vila Nova Portugal
1820-1821 Pedro de Sousa e Holstein, 1.º duque de Palmela

Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarinos
1736-1750 António Guedes Pereira
1750-1756 Diogo de Mendonça Côrte-Real, filho
1756-1760 Tomé Joaquim da Costa Côrte-Real
1760-1769 Francisco Xavier de Mendonça Furtado (irmão de Pombal)
1770-1795 Martinho de Melo e Castro
1795-1801 Rodrigo de Sousa Coutinho, 1.º conde de Linhares
1801-1809 Dom João Rodrigues de Sá e Melo, 1.º conde de Anadia
1809-1814 Dom João de Almeida Melo e Castro, 5.º conde das Galveias
1814-1814 Dom Fernando José de Portugal e Castro, 2.º marquês de Aguiar
1814-1817 António de Araújo de Azevedo, 1.º conde da Barca
1817-1818 Tomás António de Vila Nova Portugal
1818-1821 Dom Marcos de Noronha e Brito, 8.º conde dos Arcos

Contador-mor da Casa dos Contos do Reino e Casa Real
[1389-1761]
1746-1761 Lourenço Rudolfo Van-Zeller
Inspector-geral do Tesouro (presidente ao Real Erário)
1761-1777 Sebastião José de Carvalho e Melo, 1.º marquês de Pombal
1777-1788 Dom Pedro José de Noronha, 3.º marquês de Angeja
1788-1788 Martinho de Melo e Castro (interino)
Presidente do Real Erário e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda
1788-1800 Dom Tomás Xavier de Lima, 1.º marquês de Ponte de Lima
1801-1803 Rodrigo de Sousa Coutinho, 1.º conde de Linhares
1804-1807 Dom Luís de Vasconcelos e Sousa, 4.º conde de Figueiró
1808-1816 Dom Fernando José de Portugal e Castro, 2.º marquês de Aguiar
1816-1817 António de Araújo e Azevedo, 1.º conde da Barca
1817-1817 João Paulo Bezerra de Seixas, 1.º barão de Itaguaí
1817-1821 Tomás António de Vila Nova Portugal
1821-1822 Dom Diogo de Eça de Meneses, 3.º conde da Lousã
extinção do cargo em 1832, passou a ministro da Fazenda

Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça
1821-1823 José da Silva Carvalho
1823-1923 José António Guerreiro
extinção do cargo em 1910, passou a ministro da Justiça

Referências
[1] https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/38187/1/203035178.pdf
• Júlia Platonovna Korobtchenko (2011) A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. A Instituição, os Instrumentos e os Homens (1736-1756). Dissertação de Mestrado em História Moderna. Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa.
• Nuno Gonçalo Monteiro, II Parte ― Idade Moderna in Rui Ramos et al. (2009) História de Portugal. A Esfera dos Livros.
• http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/232-secretaria-de-estado-dos-negocios-do-brasil
• https://erario.tcontas.pt/pt/apresenta/historia/tc1389-1761.shtm
• https://purl.sgmf.pt/COL-MF-0065/1/COL-MF-0065_master/COL-MF-0065_PDF/COL-MF-0065_VersaoIntegral.pdf
• https://200anos.justica.gov.pt/os-ministros-da-justica-monarquia-constitucional/
• http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/233-secretaria-de-estado-dos-negocios-estrangeiros-e-da-guerra

terça-feira, 9 de abril de 2024

72 livros de Filosofia que toda a gente devia ler


Filosofia Política
• John Rawls, Justice as Fairness: A Restatement (2001)
• Gerald Cohen, If You're An Egalitarian, How Come You're So Rich? (2000)
• Ronald Dworkin, Justice for Hedgehogs (2011)

Pós-modernismo
• Friedrich Nietzsche, On the Genealogy of Morality (1887)
• Michel Foucault, Discipline and Punish (1975)
• Jacques Derrida, Spurs (1978)

Pós-colonialismo
• Hannah Arendt, The Origins of Totalitarianism (1951)
• Frantz Fanon, Black Skin, White Masks and The Wretched of the Earth (1952)
• Walter Benjamin, The Arcades Project (left incomplete at his death in 1940, published posthumously in 1982)

Filosofia Analítica Moderna
• Gottlob Frege, The Foundations of Arithmetic (1884)
• Bertrand Russell, Logic and Knowledge (1956)
• Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (1921)

Filosofia da Mente
• William James, The Principles of Psychology (1890)
• Aristotle, De anima (c. 350 BC)
The Routledge Handbook of Panpsychism (2018)

Filosofia da Ciência
• Karl Popper, The Logic of Scientific Discovery (1934)
• Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 1962 (importantly modified edition in 1970)
• Paul Feyerabend, Against Method (1975)

Existencialismo
• Simone de Beauvoir, The Second Sex (1949)
• Albert Camus, The Myth of Sisyphus (1942)
• Jean-Paul Sartre, Being and Nothingness (1943)

Fenomenologia
• Edmund Husserl, Logical Investigations (1900-1901)
• Adolf Reinach, The A priori Foundations of the Civil Law (1913)
• Roman Ingarden, The Literary Work of Art (1931)

Filosofia Africana
The Tale of the Eloquent Peasant, translated by R. B. Parkinson. (1850 BCE) 
• Aboubakar Fofana, The Manden Charter, translated into French by Jean-Louis Sagot (1236)
• Zera Yacob, The Treatise of Zera Yacob (1667)
• Ahmad Baba al-Timbukti, Mi'raj al Su'ud: Ahmad Baba's Replies on Slavery (1615)
• Henry Odera Oruka, Sage Philosophy: Indigenous Thinkers and Modern Debate on African Philosophy (1990)

Feminismo
• Mary Wollstonecraft, A Vindication of the Rights of Woman (1792) 
• Virginia Woolf, A Room of One's Own (1929)
• Simone de Beauvoir, The Second Sex (1949)

Idealismo Alemão
• Immanuel Kant, Critique of Pure Reason (1781)
• Georg Wilhelm Friedrich Hegel, The Phenomenology of the Spirit (1807)
• F. W. J Schelling, Stuttgart Seminars (1810)

Iluminismo
• Descartes, Meditations on First Philosophy (1641)
• Spinoza, Tractatus Theologico-Politicus (1677)
• Locke, Essay Concerning Human Understanding (1690)
• Locke, Second Treatise of Government (1690)
• Hume, Inquiry Concerning Human Understanding (1748)
• Montesquieu, The Spirit of the Laws (1748)
• Rousseau, Émile, or On Education (1762)

Filosofia Analítica Indiana
• Gaṅgeśa, Tattvacintāmaṇi (The Gemstone of Truth) (1325)
• Raghunātha, Padārthatattvanirūpaṇa (Inquiry into the Nature of Things) (1510)
• Gadādhara, Śaktivāda (Treatise on Meaning) (1650)

Filosofia Medieval Cristã
• Augustine, The City of God (426)
• Aquinas, On Being and Essence (13th century)
• Buridan, Summulae de Dialectica (14th century)

Filosofia Medieval Islâmica
• Ibn Ṭufayl, Ḥayy ibn Yaqẓān, trans. L.E. Goodman. (12th century CE)
• Averroes, On the Harmony of Religion and Philosophy, trans. G.F. Hourani. (12th century CE)
The Philosophical Works of al-Kindī, trans. P. Adamson and P.E. Pormann. (9th century CE)

Filosofia Japonesa
• Heisig, James W., Thomas P. Kasulis, and John C. Maraldo, eds. Japanese Philosophy: A Sourcebook (2011)
• Dōgen, Treasury of the True Dharma Eye: Zen Master Dōgen’s Shobo Genzo, Kazuaki Tanahashi, ed. (1233–1253)
• Nishida Kitarō, An Inquiry into the Good, trans. by Masao Abe and Christopher Ives.  (1911)
• Watsuji Tetsurō, Watsuji Tetsurō’s “Rinrigaku”: Ethics in Japan, trans. Yamamoto Seikaku and Robert E. Carter. (1937–1949)
• Yuasa Yasuo (1925–2005). The Body: Toward an Eastern Mind-body Theory, trans. Shigenori Nagatomo and Thomas P. Kasulis. (1977)

Filosofia Romana Antiga
• Lucretius, On the Nature of Things (50 BCE)
• Cicero, On Ends (1st century BCE)
• Seneca, Letters (c. 65 CE)
• Musonius Rufus, Discourses (1st century CE)
• Marcus Aurelius, Meditations (161-180 CE)

Filosofia Grega Antiga
• Platão, Last Days of Socrates (Euthyphro, Apology, Crito, Phaedo) (Penguin Classics) (399 BCE)
• Platão, Republic (380 BCE)
• Aristóteles, Nicomachean Ethics (350 BCE)
• Epicteto, Discourses (108 CE)

Filosofia Chinesa
• Confucius, Analects
The Daodejing: A short book on Daoist philosophy
• Huineng, The Platform Sutra of the Sixth Patriarch

Filosofia Indiana Antiga
• The Upaniṣads (the old Radhakrishnan translation is still a good one) (between 8th and 1st century BCE for both early and late Upanisads)
• Bhagavad-Gītā (Stoller-Miller translation) (5th to 3rd century BCE)
• Abhinavgupta’s commentary on Bhārata (KC Pandey translation) (10th century BCE)
• The Questions of King Milinda, Nāgārjuna’s Mūlamadhyamakakārikā (either my translation or Siderits and Katsura) (2nd to 3rd century BCE)
• Dignāga. Investigation of the Percept, with commentaries (Duckworth et al.) (5th century)
• Śāntideva’s Bodhicāryāvatāra, trans. Wallace and Wallace or Crosby and Skilton (8th century AD)

domingo, 31 de março de 2024

Origem das Palavras Divergentes

 Origem das Palavras Divergentes

via POPULAR ― via ERUDITA
adro ― átrio
alhear ― alienar
aprender ― apreender
areia ― arena
auto ― acto
avesso ― adverso
cabido ― capítulo
cadeira ― cátedra
caldo ― cálido
catar ― captar
chama ― flama
chantar ― plantar
chão ― plano
chave ― clave
cheio ― pleno
ciclo ― círculo
coalhar ― coagular
conceição ― concepção
cuidar ― cogitar
dedo ― dígito
delgado ― delicado
desenho ― desígnio
direito ― directo
dobro ― duplo
escutar ― auscultar
eu ― ego
feito ― facto
fogo ― fócus/foco
frio ― frígido
herdeiro ― hereditário
inteiro ― íntegro
lavrar ― laborar
leal ― legal
leigo ― laico
limpo ― límpido
logro ― lucro
macho ― másculo
madeira ― matéria
mãe ― madre
meio ― médio
mèzinha ― medicina
nédio ― nítido
olho ― óculo
paço ― palácio
pai ― padre
palavra ― parábola
partilha ― partícula
povoação ― população
primeiro ― primário
receitar ― receptar
redondo ― rotundo
rezar ― recitar
rotura ― ruptura
sé ― sede
segredo ― secreto
selo ― sigilo
senhor ― sénior
sobrar ― superar
solteiro ― solitário

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/palavras-divergentes-etimologia/21827
https://recursos.portoeditora.pt/recurso?id=2902849

sexta-feira, 22 de março de 2024

Citações sobre ciência e história, explicação e ideologia

"We now live in the paradoxical situation that the physicists who are supposed to deal with matter describe an animated universe which is inseparable from consciousness, and the life scientists who are supposed to be dealing with a living world see only a machine."

― Iain McGilchrist, in conversation with John Cleese, 11:28. https://youtu.be/qMTA1qP4yC0?t=687


"Today’s 'Do-it-yourself biologists' are different [from the great thinkers of ancient Greece or the gentlemen scientists of the 18th and 19th centuries], because they are not following mainstream science. In the last half century, as technology grew prohibitively expensive, researchers were forced to turn to central funding sources, and science became increasingly institutionalized. Tinkerers were no longer welcome. The 21st-century DIYbio movement is now challenging that dogma."

― Jef Akst, News Editor of "The Scientist" magazine, March 2013, p. 12 (Editorial) 


"As luzes das cidades não só impedem cagarras, toutinegras e tartarugas de encontrarem o seu caminho, mas também nos impedem a nós, humanos, de desfrutar do céu noturno. Em 1994, quando um terramoto cortou a eletricidade em Los Angeles, muitos habitantes da cidade contactaram os centros de emergência, preocupados com uma «nuvem prateada gigante» no céu noturno. Era a Via Láctea, que há anos estava encoberta pelo brilho urbano."

― «Quando a noite se torna dia», in Pardela: Revista da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, N.º 65 Outono/Inverno 2022, pp. 19-20.


"Laplace, que vivia numa época em que se acreditava num universo determinístico, imaginou que se alguém conhecesse todas as causas determinaria os efeitos, conheceria o futuro. O intento que ele imaginou ficou conhecido como demónio de Laplace. A sobriedade da razão dar-lhe-ia uma visão da perspectiva da eternidade, mas hoje a ciência tende a crer num universo incerto, probabilístico, em que a aleatoriedade tem um papel fundamental. O andar do bêbedo faz parte do próprio tecido do Universo."

― Afonso Cruz (2019) O macaco bêbedo foi à ópera. Da embriaguez à civilização. FFMS, p. 57.


"Professional mathematicians, for their part, tend to keep calculation at arm’s length. (...) Entire branches of mathematics are removed from calculation, and even where calculations surface, the creative elements of mathematical intelligence reside in dreaming up such methods in the first place, understanding their inner workings and applying them in novel settings. The specific act of calculation is secondary and offers little joy or illumination."

― Junaid Mubeen (2022), Mathematical Intelligence: A Story of Huma Superiority over Machines, p. 13.


"[Francis] Bacon contesta os filósofos gregos, em especial Aristóteles, desconhecendo que cem anos antes D. João de Castro e até mesmo os seus navegadores tinham identificado os perigos do raciocínio dedutivo, assim como a sua inutilidade para a compreensão dos novos mares, territórios e astros que iam encontrando no caminho para o Atlântico Sul." (p. 173)

"(...) «arte» aqui, como então, tem o sentido grego de techné, ou technéi, de onde derivam técnica e tecnologia (...) Um curto parêntese sobre conhecimento e tecnologia: os anglo-americanos usam uma distinção útil entre «saber» (to know that) e «saber como» (to know how). O primeiro tipo de conhecimento resulta da penetração nos segredos da natura. O segundo traduz a aplicação desses conhecimentos a práticas; aliás, não só os aplicam como os desviam do seu lugar natural. Por outras palavras, a techné é uma alteração da natureza para fins utilitários." (pp. 241-242)

"(...) Os estudos pós-coloniais insistem na acentuação da verdade de lana caprina das intenções imperiais do processo dos Descobrimentos, como se se tratasse de uma descoberta do nosso tempo, que apenas Marx, Foucault e os demais gurus dos estudos culturais e pós-coloniais nos tivessem permitido detectar. Na verdade, o que vimos presenciando na produção «científica» proveniente desse campo é, acima de tudo, uma denúncia fortemente condenatória de um processo que nunca procurou esconder as suas motivações de fundo, pelo simples facto de, na época da sua ocorrência, nunca antes ter sido posta em causa a sua legitimidade. Hoje, tocados que estamos todos pela generalização de um dos valores contidos já na ideia de modernidade, o da igualdade ― que o século XX arvorou como sua grande conquista, primeiro concentrando-se no estatuto das mulheres e depois alargando-o a todos os outros segmentos da população até então inferiorizados pela hegemonia branca de raiz europeia, ― esse valor está presente em tudo, inclusivè num campo como a história, por vezes catapultando moralizações completamente anacrónicas, a despeito de todos os efeitos benéficos gerados por uma reiterada tomada de consciência da sua relevância. Quer dizer, pois, que a novidade trazida por muitos estudos de história pós-colonial consiste fundamentalmente no juízo ético sobre acontecimentos, sem contribuir de modo significativo para o entendimento dos mesmos." (p. 244)

― Onésimo Teotónio Almeida (2018) O Século dos Prodígios. A Ciência no Portugal da Expansão. Quetzal.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Algumas notas sobre a Filosofia Portuguesa

Isto são apenas alguns excertos do livro de Onésimo que me fizeram relembrar o meu espanto quanto à «Filosofia Portuguesa» com que concluí uma anterior postagem. Afinal houve (ou há), ainda por cima, um movimento que se quis filosófico e que se (auto-?)intitulou, com grande falta de criatividade, Filosofia Portuguesa, o que ainda complica mais o assunto. Vale a pena ler os textos completos, mas isto é só uma nota para mim próprio, que agora não tenho tempo de escrever um comentário coeso.

«Perante tais arrojos, parece justificar-se a ignorância displicente que à Filosofia Portuguesa vota a maioria da camada intelectual lusa ou lusófila.» p. 155

«Nós sabemos hoje, depois de Wittgenstein, que o sentido é o uso.» p. 220

«Ora, em semântica é regra fundamental que o significado é o uso. Dito de outro modo: para se saber o que significa uma palavra ou uma expressão, analisa-se o contexto em que é usada.» p. 225

«Quando [Ramón] Piñeiro diz que "en realidade cada home tem a súa filosofía", quer dizer que cada homem (e mulher, naturalmente) tem a sua mundividência (...).» p. 221

«(...) sobre a famigerada questão da filosofia portuguesa (...) [Manuel Antunes] resolv[eu] a questão com uma frase lapidar: "Se é nacional não é filosofia, se é filosofia não é nacional." (...) [a] sua explicação do que a filosofia não é; especificamente ela não é visão do mundo (...). (...) filosofia, em si, e visão do mundo, em si, não são plenamente idênticas nem sequer identificáveis.» p. 231

― Onésimo Teotónio Almeida (2017) A Obsessão da Portugalidade. Quetzal.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Citações de Vergílio Ferreira

"... não vejo, sou. É bom ser apenas. Fecho os olhos e o Lucinho abre-mos, põe as mãos sobre eles ou a boca. Gosta de encostar a boca aberta e de babar-me a cara na comunicação fundamental que é a das secreções."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 57, Quetzal.

"É estranho que ninguém me conheça ― estarei morto? Porque eu existo, bem o sei. Para eles e para mim ― serei talvez uma ideia, uma fórmula abstracta como a dos livros. Como um velho taralhouco, que foi gente e não há maneira de marrar para se amar enfim, sem empecilhos, no que foi."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 62, Quetzal.

"Hei-de contar tudo a seu tempo e em voz baixa, as pessoas não gostam de em voz alta. Em voz alta é como por exemplo, querer ter graça porque há logo quem não ache graça nenhuma. (...) Quem fala tem de falar à parte nobre do homem e a parte nobre do homem tem sempre uma cara de pau."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 138, Quetzal.

"A história do homem é a da luta contra as suas limitações. Mas as suas limitações foi ele que as inventou. É um jogo curioso, só agora o sabemos. Não bastava o que naturalmente o limita ― o frio, a fome, todas as misérias do corpo. Arranjou também as do espírito que não havia. Deve dar-lhe um gozo imenso inventar sarilhos para os desensarilhar. (...) Tirava o medo de um lado, punha-o noutro. Entendia que sem coragem não era homem. Mas para haver coragem tem de haver um medo qualquer. É um jogo divertido. O homem precisa do medo para ter que o vencer. Mas depois de o vencer, tem de inventar outro para não estar à boa vida."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, pp. 141-142, Quetzal.

"Uma coisa é eu poder liquidar um terror. Outra coisa á descobrir que ele não tem direito a ser terror. Esta coisa é que é difícil. Porque um terror também protege (...) Saber que nada está acima do homem para que nem sequer ele esteja acima, que é o que de mais perigoso pode estar acima por não ter contas a dar ao que estivésse ainda acima."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 144, Quetzal.

"O meu lugar era dependurado na parede, entre os antepassados. (...) os antepassados políticos são úteis. Dão encosto, fiam responsabilidade. Agacham-se para a gente pôr um pé. São dóceis, não protestam. Acumulam bens, a gente gasta. Eles é que pagam. Todas as nossas dívidas são para a conta deles. (...) Mas sobretudo são discretos, falam só o preciso."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 200, Quetzal.

"Eu dizia, por exemplo, «se és livre, defende a liberdade» e Teófilo acrescentava «quando não, vais para a cadeia». Eu dizia «não recebas ordens de ninguém, porque tu és a tua ordem.» ― Essa é a ordem que te dou, dizia logo Teófilo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 200, Quetzal.

"Como quando procuramos um guarda-sol e não reparamos que um guarda-chuva faz o mesmo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 200, Quetzal.

"...os que morreram por uma ideia e os que morreram por outra ideia que veio logo a seguir e só durou enquanto se estava distraído a ver que a anterior afinal já não era ideia nenhuma; os que lutaram a vida inteira para tirar o chicote das mãos de um tipo e metê-lo nas mãos de outro tipo que dava mais gozo quando chicoteava; os que se puseram à roda de uma palavra e se bateram como leões contra os que estavam à roda de outra palavra que queria dizer o mesmo (...), os que levaram a vida inteira à espera de ter razão e quando era a altura de a terem, já não servia."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 203, Quetzal.

"Porque a arte não é nada, é uma forma de nos comovermos ― comovemo-nos já com tanto mono. Com o cristo a sangrar, com as pernas de vénus, com. Que é que justifica essa homenagem? (...) Sei que os altares estão vazios e que a um momento de desatenção nos põem lá outro santo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 203, Quetzal.

"Eu semeio uma árvore, a árvore cresce e os homens põem nela uma forca ― também semeei a forca?"
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 239, Quetzal.

"...ó Deus, ó Deus ― outra vez? Que Deus não saia de ao pé dos seus querubins, quero resolver tudo sozinho."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 239, Quetzal.

"...mas a verdade, como uma amante, não é daquele de quem gosta, mas de quem a pode sustentar."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 243, Quetzal.

"Isto já deve ter sido dito pelos pensadores profissionais que tiraram carta para isso e nos não deixarem pensar a nós, que não temos diploma."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 246, Quetzal.

"As coisas têm um fim. O fim começa no começo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 260, Quetzal.

"Porque o mais difícil é sempre o que não existe. Numa sala às escuras, o mais difícil é o que lá não está. E tanto lá não está que se a gente acender a luz, não está lá mesmo. Se nos apontarem uma pistola sem balas, a gente tem medo. A gente vê que não tem balas e tem medo. Há máscaras pintadas que nos arrepiam. É um medo de tinta, de nada, mas existe real nesse nada. (...) As coisas que existem são o que são, mas as que não existem são o que não são, e isso é muito maior."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 264, Quetzal.

"Mas as coisas evidentes são difíceis de ver. O que está mais perto dos olhos são os olhos e aos olhos ninguém os vê. Têm de se tirar do lugar, pô-los noutro sítio à distância para se verem. Por exemplo, num espelho. (...) A gente derruba a divindade e fica lá o altar. A gente derruba o altar e fica a igreja. A gente derruba a igreja e fica lá o sítio dela. A gente derruba tudo e fica ainda o gesto de derrubar. O gesto de derrubar é que é difícil. (...) como glorificar o gesto, sem glorificar o gesticulador? A como glorificar seja o que for, sem lhe erguer um altar? (...) Mas erguido o altar, tudo o mais vem por si, desde a igreja ao padre, ao sacristão. E às beatas."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 266, Quetzal.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Ainda sobre Camões nos seus 500 anos

Publicações coevas das obras de Camões:
• Os Lusíadas (poesia épica, 1572, 1584, 1591, 1597, 1609, 1612, 1639, 1817) [ref];
• El-Rei Seleuco (teatro, 1587, 1616, 1654); 
• Auto de Filodemo (teatro, 1587); 
• Anfitriões (teatro, 1587);
• Rimas (poesia lírica, 1595, 1598, 1616, 1668, 1685-1689, 1861, 1932, 1953);
• Cartas (prosa epistolar, 1595).

Epopeia:
• Os Lusíadas
Teatro:
• El-Rei Seleuco
• Auto de Filodemo
• Anfitriões
Rimas:
• Canções
• Éclogas
• Elegias
• Epigramas
• Odes
• Oitavas
• Redondilhas
• Sextinas
• Sonetos
Cartas:
• Carta de Ceuta
• Carta de Goa
• Outra carta de Goa

«A conclusão a tirar é a de que tudo o que se pode com segurança dizer sobre as origens sociais de Camões é que era filho do cavaleiro-fidalgo Simão Vaz e era, ele próprio, homem sujeito a foro plebeu. São obscuros os pontos do sangue ― se cristão-novo ou velho ― e da filiação, se legítima se ilegítima. A pobreza é certa. E entre esses negrumes ― pobreza, bastardia, sangue hebraico ― se hão-de procurar as infelizes estrelas do nascimento.» (JHS, Vida ignorada, p. 47)

«Pode, portanto e por agora, dar-se por assente o seguinte (JHS, Vida ignorada, p. 185):
a) Camões manteve uma ligação amorosa com uma jovem, que era a imagem e semelhança da sua ama, D. Violante de Andrade;
b) Isso valeu-lhe uma perseguição, o desamor da ama, antiga amante, e o ciúme entre esta e a amada jovem;
c) A jovem morreu muito nova e foi sepultada no mar;
d) A essa jovem chama Camões, na écloga, Natércia e, em dois sonetos, Dinamene;
e) Foram cometidas falsificações de documentos para ocultar a identificação quer de Violante de Andrade, quer da jovem amada, filha dela;
f) O autor de uma dessas falsificações (a da Igreja das Chagas) foi Diogo Paiva de Andrade, sobrinho de D. Violante e primo direito da filha desta;
g) Há alguns indícios de as falsificações terem todas e mesma origem, sendo possível encontrar relações entre qualquer delas e Diogo Paiva.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Cronologia de Luís Vaz de Camões (1524-1580)

Quando que se começar a ler o que vem abaixo, ficar-se-á sem qualquer dúvida: eu segui o ponto de vista de José Hermano Saraiva. Estando longe de ser o definitivamente estabelecido, parece-me que é, ao menos, o mais conservador, o que não multiplica desnecessàriamente as entidades (Ockham's razor). Por exemplo, JHS só vê duas mulheres na poesia de Camões: Violante (= ama, Belisa, Aurora, Circe, Dóris) e Joana (= Aónia, Diana, Ana, Natércia, Nise, Alcida, Dinamene, Tétis). Não vê Caterinas, nem Isabéis, nem infantas Marias, nem Tin-Nam-Menes. Também não se desvia das poucas certezas que se podem ter sobre Camões: foi preso na prisão dos plebeus, o Tronco, logo não era fidalgo; a tença de 15 000 réis por ano em 1572 dava 42 réis por dia, tanto quanto um mendigo poderia esperar ganhar (era uma esmola, portanto), logo não viveu os seus últimos anos confortàvelmente; etc. A partir daqui, é tudo conjectura, mas JHS guia-se pelos costumes e leis do século XVI português, pela ética das grandes famílias nobiliárquicas (Camões está indelèvelmente ligado aos Noronhas) e pelo que o poeta diz de si próprio nos seus textos, mesmo nalguns de atribuição duvidosa ― tudo coisas que JHS conhece bem. E assim comemoro eu, modestamente, o qüinqüicentenário do nascimento do poeta, se aceitarmos a data de 1524 como certa.

1524
Nasce em data incerta neste ano ou no seguinte (ou certamente algures entre os anos de 1517 e 1525). A família é de Vilar de Nantes, concelho de Chaves, onde ele pode ou não ter nascido. Nasce plebeu e nada tem em parentesco com os fidalgos galegos de apelido Camões. Filho de Simão Vaz (que aparece como morador em Lisboa, à Mouraria, em 1550, e como cavaleiro-fidalgo num documento autêntico de 1553) e de Ana de Sá, é possível que tenha apenas usado o nome Luís Vaz e só mais tarde adicionado Camões.

1530
O 1.º conde de Linhares contratou o casamento do seu filho segundo, Dom Francisco de Noronha (c. 1504-1574) com Violante Andrade (c. 1522-c. 1600), filha mais velha de Fernand'Álvares (14??-1552, v. JHS, Vida ignorada, p. 237), tesoureiro-mor do rei. O dote da noiva seria entregue «ao marido logo que o matrimónio se consumasse, o que deveria suceder até ao São João de 1534, que era quando a noiva fazia 12 anos» (JHS, Vida ignorada, pp. 102s).

1534
Foi servir como escudeiro na casa de Francisco e Violante, provàvelmente em São Martinho do Bispo (Coimbra) onde aquele tinha uma comenda da Ordem de Cristo; Fernand'Álvares já chamava genro a Francisco em 1533, e é certo que já estariam casados nos princípios de 1535. Como o próprio poeta diz, foi criado nas margens do Mondego.

1535
Neste ano ou no seguinte, nasce o primeiro filho de Francisco e Violante, António, que morrerá com 17 anos em 1553 e a quem Camões há-de fazer várias poemas que são, na verdade, cartas destinadas a Violante.

1538
Neste ano ou no seguinte, nasce o segundo filho de Francisco e Violante, Fernando (morrerá aos 70 anos em 1609).

1540
Entre 1539 e 1541, nasce Joana, terceira filha de Francisco e Violante, que, segundo JHS, é a Dinamene de Camões, «imagem e semelhança da sua ama» (JHS, Vida ignorada, p. 165), e que morrerá na viagem para a Índia em 1550. 
Entretanto, Francisco é nomeado (24 de Novembro de 1540) embaixador junto do rei de França, e no fim do ano parte para Paris. Violante fica em Portugal; é nesta época que nasce o sentimento de Luís Vaz pela ama (a mulher do amo), que seria apenas dois anos mais velha do que ele. 
Início dos períodos criativos de Camões; primeiros textos conhecidos do poeta.

1541
Neste ano ou no seguinte começam os amores de Camões com Violante (JHS, Vida ignorada, p. 176); ele teria uns 16 ou 17 anos, e ela 18 ou 19 (mas já era mãe de três crianças).

1544
Francisco regressa de França e instala-se com a família (incluindo o escudeiro Camões) em Lisboa. Para o poeta, esta terra era triste sítio, entre gente estranha ― isto parece indicar que ele nunca lá teria estado.
É improvável que Camões, enquanto viveu perto de Coimbra, tenha estudado quer na universidade, quer no mosteiro de Santa Cruz. Não se encontra o seu nome nas listas de matriculados e Dom Bento de Camões, que «[o]s biógrafos clássicos (...) julgaram, sem razão, ter sido seu tio e protector» (MLS, Sonetos, p. 253) e que era à época prior de Santa Cruz e cancelário da universidade, nada deve ter tido a ver com Luís Vaz. Os livros que o poeta terá lido em jovem (Petrarca, Garcilaso) deveriam pertencer à biblioteca da casa de Francisco e Violante; Camões só terá sido instruído informalmente e/ou autodidàcticamente, como JHS constantemente lembra e ele próprio o diz n'Os Lusíadas (canto X, estrofe 154): nem me falta na vida honesto estudo, /com longa experiência misturado, /nem engenho (...) ― estudou na vida, com experiência e engenho.

1547
No período 1544-1547, em Lisboa, é possível que os amores entre Violante e Camões tenham sido descobertos na côrte e causado o desterro do poeta em Ceuta (JHS, Vida ignorada, p. 214). Parte para Ceuta, onde está 2 anos. O capitão-geral de Ceuta é Dom Afonso de Noronha (de 1540 a 1549), primo co-irmão de Dom Francisco de Noronha, e que havia de ser vice-rei da Índia.
Nos meados do ano, Francisco faz a sua segunda viagem a França (em 3 de Novembro de 1547 está em Melun), de onde regressa antes do Verão de 1548 (o rei dá-lhe licença para regressar em 13 de Março; em 2 de Julho já estava em Lisboa); é possível que ele tenha achado mais prudente fazer-se acompanhar da mulher («a adúltera senhora», v. JHS, Vida ignorada, p. 166). 
Fim do primeiro período criativo de Camões, o «ciclo idílico» (1540-1547), segundo a periodização de JHS. «As imitações de Petrarca marcam a primeira fase poética de Camões; é provável que tenha feito a sua aprendizagem dos poetas mais em voga no seu tempo» (MLS, Sonetos, p. 51). «(...) ciclo da descoberta do amor» (MLS, Sonetos, p. 53). «A ingenuidade temática e a simplicidade da construção são muito características da fase juvenil» (MLS, Sonetos, p. 54). Serão deste período
as éclogas:
• Cantando por um vale docemente (écloga IV)
as elegias:
• Correntes águas frias do Mondego (datável de 1544)
as odes:
• Pode um desejo imenso (ode VI)
os sonetos:
• Amor é fogo que arde sem se ver
• Criou a Natureza damas belas
• Eu cantarei de amor tão docemente
• Onde mereci eu tal pensamento
• Quando da bela vista e doce riso
• Quem diz que Amor é falso ou enganosos
• Quem quiser ver d'Amor uma excelência
• Se em mim, ó Alma, vive mais lembrança
• Tanto de meu estado me acho incerto
• Um mover de olhos, brando e piedosos

1548
Regressa de Ceuta. Foi depois do serviço em Ceuta que descobriu a «beleza da pálida violeta que amanhecia (...) É pois entre 1547 e 1550 que a vida de Camões é dominada pelos amores daquela em quem via a imagem e semelhança da sua ama» (JHS, Vida ignorada, p. 167), ainda que o casamento com a filha não devesse interferir no sentimento que o poeta tinha para com a mãe.

1550
Sofre uma perseguição judiciária. As razões são desconhecidas, mas é possível que estejam relacionadas com Joana, que Violante lhe teria prometido em casamento, o que seria socialmente (e judicialmente) impossível. Joana foi despachada para a Índia na armada que partiu em Abril (sob o comando do novo vice-rei, Dom Afonso de Noronha) e Camões foi preso (ainda pretendeu embarcar também para a Índia, mas foi impedido: teve de apresentar fiador porque já estava condenado, e foi o seu pai, Simão Vaz, que foi o fiador; JHS, Vida ignorada, p. 197, p. 264); como escudeiro de um comendador da Ordem de Cristo, o cárcere seria um dos da Ordem (e à beira-Tejo, a uma areia de rochas coroada, por exemplo, Almourol), e não um dos do rei; a tradição situa-o em Punhete (hoje Constância) e JHS diz que só pode ter sido nos calabouços do velho castelo (em prisões baixas fui um tempo atado; v. MLS, Sonetos, pp. 203-204). 

1551
Foi libertado da prisão depois do Verão, talvez no fim do ano. A notícia da morte de Joana teria chegado com a volta da armada da Índia, entre Julho e Setembro; com a morte da «vítima», a sentença judicial perdeu efeito.

1552
Um documento prova que, no dia 16 de Junho (dia do Corpo de Deus), em Lisboa, Camões dá uma cutilada num criado do paço e é preso na cadeia do Tronco de Lisboa (a prisão dos plebeus; se fosse fidalgo teria ido para o Limoeiro); isto também indica que teria deixado de servir o comendador da Ordem de Cristo, já que foi preso numa prisão real. De acordo com as Ordenações, todos os acusados eram submetidos à tortura; é improvável que Camões tenha sido isentado. «A tortura normalmente usada na instrução judiciária era o trato da polé. O preso era estendido numa tábua e amarrado a cordas que eram esticadas por uma polé (...) Em geral, a polé não matava, sobretudo se o preso era jovem. Mas deixava vestígios para a vida inteira. Os ossos desengonçavam-se, os ligamentos musculares rompiam-se e, com os anos, surgiam artroses, deformidades ósseas, insensibilidade de tecidos. (...) A marcha tornava-se penosa e, com a meia-idade, podia ter de ser auxiliada com muletas.» (JHS, Vida ignorada, p. 249). 

1553
Apresenta ao rei uma petição de perdão (23 de Fevereiro) e é libertado em troca do pagamento de 4000 réis, de fiador (Belchior Barreto, um financeiro; o pai, Simão Vaz, ou já tinha morrido ou se tinha incompatibilizado com o filho pelas prisões) e de serviço na Índia (três anos, mínimo), para onde parte na armada que saiu em 24 de Março; chega a Cochim em Setembro. O vice-rei em Goa (de 1550 a 1554) é Dom Afonso de Noronha, primo co-irmão de Dom Francisco de Noronha, que tinha sido capitão-geral de Ceuta.
Já na Índia, no fim do ano, o poeta escreve a elegia O poeta Simónides a António, filho de Francisco e Violante, poema que é na verdade uma carta para Violante, e que enviou na armada que saiu de Goa em Janeiro de 1554; mas António tinha morrido no dia 18 de Abril de 1553, em Ceuta (para onde tinha sido mandado para que «não casasse com uma dama a que era afeiçoado»; JHS, Vida ignorada, p. 199) e Camões só pode ter recebido a notícia com a chegada a Goa (Março de 1554) da armada que tinha saído de Lisboa em 3 de Outubro de 1553 (JHS, Vida ignorada, p. 268).

Retrato de Camões feito em Goa por autor desconhecido em 1556, presume-se que tirado do natural. Pergaminho medindo 217 × 145 mm, pela técnica da iluminura e cartografia do séc. XVI. «O chamado retrato de Camões na prisão foi revelado por Maria Antonieta Soares de Azevedo em 1972 e parece anterior ao de Fernão Gomes e ao da casa Rio Maior.» ― Vasco Graça Moura, Diário de Notícias de 09 Outubro 2013.

1554
Fim do segundo período criativo de Camões, o «ciclo dramático» (1547-1554), «uma fase diferente na lírica, mais dramática, com uma estrutura filosófica concentrada e uma atitude fundamentalmente pessimista» (MLS, Sonetos, p. 113). «O ciclo da crise sentimental, que antecede a fase intelectualizada da poesia do exílio (...), é o de maior altura lírica e mais comunicativa beleza verbal» (MLS, Sonetos, p. 115). Serão deste período 
as canções:
• Junto de um seco, fero e estéril monte (datável de 1554 ou 1555).
as éclogas:
• De quanto alento e gosto me causava (datável de 1552).
• Nas ribeiras do Tejo, a uma areia.
as elegias:
• O poeta Simónides (datável de 1554);
os sonetos:
• Ah! minha Dinamene, assim deixaste
• Alma minha gentil, que te partiste
• Aquela triste e leda madrugada
• Cara minha inimiga, em cuja mão
• Em prisões baixas fui um tempo atado
• O cisne, quando sente ser chegada
• Outro Sol, outra Aurora, outro Oriente (datável de 1550-1551)
• Presença bela, angélica figura
• Suspiros inflamados, que cantais

1567
Regressa de Macau para Goa, na qual viagem acontece o naufrágio na foz do rio Mècongue.

Retrato de Camões (fac-símile) feito em Lisboa pelo pintor Fernão Gomes (1548–1612), presume-se que tirado do natural em 1570, isto é, pouco depois da sua chegada da Índia. Cópia de Luis José Pereira de Resende (1760–1847), feita em 1830/40. Desenho aguarelado sobre papel, 460 × 310 mm. Lisboa, Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, Inv.nº: C.F. 200 / 3347. Imagem compulsada daqui.

1569
Regressa a Lisboa, «capitulado», com culpas estabelecidas. Tem de passar tempo na ilha de Moçambique. Na mesma viagem de regresso vem o cronista Diogo do Couto, amigo de Camões e que nos dá a notícia de Moçambique (JHS, Vida ignorada, p. 181).

1571
Diogo do Couto deixou Camões em Lisboa. «Os Lusíadas mereceram aprovação do Santo Ofício e aparece um mecenas que financia a custosa edição» (JHS, Vida ignorada, p. 184).

1572
Saem dos prelos as duas primeiras edições d'Os Lusíadas
Fim do terceiro período criativo de Camões, o «ciclo elegíaco» (1555-1572). Serão deste período o épico Os Lusíadas, e 
as odes:
• Aquele único exemplo (datável de 1563)
os sonetos:
• Busque amor novas artes, novo engenho
• Em prisões baixas fui um tempo atado,
• Erros meus, má fortuna, amor ardente
• Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
• No mundo, poucos anos e cansados (datável de 1554 ou 1555)
• Sete anos de pastor Jacob servia.

1578
Dom Martinho de Castelo Branco, filho do conde de Vila Nova de Portimão, morreu na batalha de Alcácer Quibir; no inventário dos seus bens aparecem «hum lliuro que se chama do Camoins» e «outro liurinho», e noutra lista do espólio «hum liuro de Luis de Camoes; outro liuro piqueno dorlando em Italiano», sendo esta último o Orlando Furioso de Ariosto, que se sabe ter sido uma das fontes d'Os Lusíadas. O «livro que se chama do Camões» seriam, verosìmilmente, Os Lusíadas, e a forma como se designava o poeta mostra que o nome de Camões era conhecido; por ele se identificava a obra (JHS, Vida ignorada, pp. 80-81).
Uma anedota sobre Camões encontrada nos Ditos Portugueses «constitui talvez a mais antiga referência a'Os Lusíadas que até nós chegou» (JHS, Vida ignorada, p. 252). Como os Ditos Portugueses nunca referem a batalha de Alcácer Quibir, esta notícia será posterior a 1572, mas anterior a 1578. 

Retrato de Camões feito em Goa por autor desconhecido em 1581 (portanto, forçosamente póstumo). «Trata-se de uma miniatura, pertencente à colecção dos marqueses de Rio Maior, bastante reproduzida, mas ainda não estudada, pelo menos com a mesma minúcia com que Maria Antonieta Soares de Azevedo estudou o primeiro.» ― Carmo Azevedo, e vale a pena ler este seu excelente texto sobre os 3 retratos coevos de Camões.

1580
Morre em Lisboa, provàvelmente no dia 10 de Junho. A tradição mantém, sem provas, que é inumado na igreja de Santa Ana; em 1594, Dom Gonçalo Coutinho, único protector do poeta nos derradeiros anos da vida, manda colocar um lápide tumular. O soneto Os reinos e os impérios poderosos, feito ao herdeiro do ducado de Bragança, Dom Teodósio, terá sido escrito após o regresso deste a Lisboa, o que ocorreu a 15 de Março de 1580, e que parece indicar que Camões seria partidário de Dona Caterina durante a indefinição dinástica. 
Fim do quarto e último período criativo de Camões, o «ciclo final» (1572-1580), após o regresso do Oriente e da publicação d'Os Lusíadas. «A perfeição escorreita da forma comprova exactamente o que o Poeta se propôs demonstrar: a sua virtuosidade no manejo do verso e na construção do soneto» (MLS, Sonetos, p. 250). «(...) gosto rebuscado, complexo, que marca todas as poesias pertencentes aos últimos anos da vida de Camões» (MLS, Sonetos, p. 253). «(...) musculatura lógica do texto, raciocinado, desnudado já da sedução lírica e da vibração dramática das primeiras fases» (MLS, Sonetos, p. 254). Serão deste período 
as elegias:
Divino, almo pastor.
os sonetos:
A ti, Senhor, a quem as sacras musas
• De tão divino acento em voz humana
• Dizei, Senhora, da Beleza ideia
Enquanto quis fortuna que tivesse
• Os reinos e os impérios poderosos (datável de 1580)
Tal mostra dá de si vossa figura

Principal bibliografia seguida:
• José Hermano Saraiva (1993-2013) Programas vários. RTP.
• José Hermano Saraiva (1978) Vida ignorada de Camões, 1.ª edição. Colecção «Estudos e Documentos» N.º 141. Publicações Europa-América.
• Maria de Lourdes Saraiva (1975) Camões. Sonetos. Colecção «Livros de Bolso» N.º 106 (edição de 1990). Publicações Europa-América.