quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Algumas notas sobre a Filosofia Portuguesa

Isto são apenas alguns excertos do livro de Onésimo que me fizeram relembrar o meu espanto quanto à «Filosofia Portuguesa» com que concluí uma anterior postagem. Afinal houve (ou há), ainda por cima, um movimento que se quis filosófico e que se (auto-?)intitulou, com grande falta de criatividade, Filosofia Portuguesa, o que ainda complica mais o assunto. Vale a pena ler os textos completos, mas isto é só uma nota para mim próprio, que agora não tenho tempo de escrever um comentário coeso.

«Perante tais arrojos, parece justificar-se a ignorância displicente que à Filosofia Portuguesa vota a maioria da camada intelectual lusa ou lusófila.» p. 155

«Nós sabemos hoje, depois de Wittgenstein, que o sentido é o uso.» p. 220

«Ora, em semântica é regra fundamental que o significado é o uso. Dito de outro modo: para se saber o que significa uma palavra ou uma expressão, analisa-se o contexto em que é usada.» p. 225

«Quando [Ramón] Piñeiro diz que "en realidade cada home tem a súa filosofía", quer dizer que cada homem (e mulher, naturalmente) tem a sua mundividência (...).» p. 221

«(...) sobre a famigerada questão da filosofia portuguesa (...) [Manuel Antunes] resolv[eu] a questão com uma frase lapidar: "Se é nacional não é filosofia, se é filosofia não é nacional." (...) [a] sua explicação do que a filosofia não é; especificamente ela não é visão do mundo (...). (...) filosofia, em si, e visão do mundo, em si, não são plenamente idênticas nem sequer identificáveis.» p. 231

― Onésimo Teotónio Almeida (2017) A Obsessão da Portugalidade. Quetzal.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Citações de Vergílio Ferreira

"... não vejo, sou. É bom ser apenas. Fecho os olhos e o Lucinho abre-mos, põe as mãos sobre eles ou a boca. Gosta de encostar a boca aberta e de babar-me a cara na comunicação fundamental que é a das secreções."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 57, Quetzal.

"É estranho que ninguém me conheça ― estarei morto? Porque eu existo, bem o sei. Para eles e para mim ― serei talvez uma ideia, uma fórmula abstracta como a dos livros. Como um velho taralhouco, que foi gente e não há maneira de marrar para se amar enfim, sem empecilhos, no que foi."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 62, Quetzal.

"Hei-de contar tudo a seu tempo e em voz baixa, as pessoas não gostam de em voz alta. Em voz alta é como por exemplo, querer ter graça porque há logo quem não ache graça nenhuma. (...) Quem fala tem de falar à parte nobre do homem e a parte nobre do homem tem sempre uma cara de pau."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 138, Quetzal.

"A história do homem é a da luta contra as suas limitações. Mas as suas limitações foi ele que as inventou. É um jogo curioso, só agora o sabemos. Não bastava o que naturalmente o limita ― o frio, a fome, todas as misérias do corpo. Arranjou também as do espírito que não havia. Deve dar-lhe um gozo imenso inventar sarilhos para os desensarilhar. (...) Tirava o medo de um lado, punha-o noutro. Entendia que sem coragem não era homem. Mas para haver coragem tem de haver um medo qualquer. É um jogo divertido. O homem precisa do medo para ter que o vencer. Mas depois de o vencer, tem de inventar outro para não estar à boa vida."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, pp. 141-142, Quetzal.

"Uma coisa é eu poder liquidar um terror. Outra coisa á descobrir que ele não tem direito a ser terror. Esta coisa é que é difícil. Porque um terror também protege (...) Saber que nada está acima do homem para que nem sequer ele esteja acima, que é o que de mais perigoso pode estar acima por não ter contas a dar ao que estivésse ainda acima."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 144, Quetzal.

"O meu lugar era dependurado na parede, entre os antepassados. (...) os antepassados políticos são úteis. Dão encosto, fiam responsabilidade. Agacham-se para a gente pôr um pé. São dóceis, não protestam. Acumulam bens, a gente gasta. Eles é que pagam. Todas as nossas dívidas são para a conta deles. (...) Mas sobretudo são discretos, falam só o preciso."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 200, Quetzal.

"Eu dizia, por exemplo, «se és livre, defende a liberdade» e Teófilo acrescentava «quando não, vais para a cadeia». Eu dizia «não recebas ordens de ninguém, porque tu és a tua ordem.» ― Essa é a ordem que te dou, dizia logo Teófilo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 200, Quetzal.

"Como quando procuramos um guarda-sol e não reparamos que um guarda-chuva faz o mesmo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 200, Quetzal.

"...os que morreram por uma ideia e os que morreram por outra ideia que veio logo a seguir e só durou enquanto se estava distraído a ver que a anterior afinal já não era ideia nenhuma; os que lutaram a vida inteira para tirar o chicote das mãos de um tipo e metê-lo nas mãos de outro tipo que dava mais gozo quando chicoteava; os que se puseram à roda de uma palavra e se bateram como leões contra os que estavam à roda de outra palavra que queria dizer o mesmo (...), os que levaram a vida inteira à espera de ter razão e quando era a altura de a terem, já não servia."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 203, Quetzal.

"Porque a arte não é nada, é uma forma de nos comovermos ― comovemo-nos já com tanto mono. Com o cristo a sangrar, com as pernas de vénus, com. Que é que justifica essa homenagem? (...) Sei que os altares estão vazios e que a um momento de desatenção nos põem lá outro santo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 203, Quetzal.

"Eu semeio uma árvore, a árvore cresce e os homens põem nela uma forca ― também semeei a forca?"
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 239, Quetzal.

"...ó Deus, ó Deus ― outra vez? Que Deus não saia de ao pé dos seus querubins, quero resolver tudo sozinho."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 239, Quetzal.

"...mas a verdade, como uma amante, não é daquele de quem gosta, mas de quem a pode sustentar."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 243, Quetzal.

"Isto já deve ter sido dito pelos pensadores profissionais que tiraram carta para isso e nos não deixarem pensar a nós, que não temos diploma."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 246, Quetzal.

"As coisas têm um fim. O fim começa no começo."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 260, Quetzal.

"Porque o mais difícil é sempre o que não existe. Numa sala às escuras, o mais difícil é o que lá não está. E tanto lá não está que se a gente acender a luz, não está lá mesmo. Se nos apontarem uma pistola sem balas, a gente tem medo. A gente vê que não tem balas e tem medo. Há máscaras pintadas que nos arrepiam. É um medo de tinta, de nada, mas existe real nesse nada. (...) As coisas que existem são o que são, mas as que não existem são o que não são, e isso é muito maior."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 264, Quetzal.

"Mas as coisas evidentes são difíceis de ver. O que está mais perto dos olhos são os olhos e aos olhos ninguém os vê. Têm de se tirar do lugar, pô-los noutro sítio à distância para se verem. Por exemplo, num espelho. (...) A gente derruba a divindade e fica lá o altar. A gente derruba o altar e fica a igreja. A gente derruba a igreja e fica lá o sítio dela. A gente derruba tudo e fica ainda o gesto de derrubar. O gesto de derrubar é que é difícil. (...) como glorificar o gesto, sem glorificar o gesticulador? A como glorificar seja o que for, sem lhe erguer um altar? (...) Mas erguido o altar, tudo o mais vem por si, desde a igreja ao padre, ao sacristão. E às beatas."
― Vergílio Ferreira, Nítido Nulo, p. 266, Quetzal.