quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Pois bem!

Se um Inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que tas cedi num dote de princesa.
E para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...

E se for um Francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei.
Antes de Montgolfier, um século!, voei.
E do teu Imperador as águias vitoriosas,
fui eu que as depenei primeiro, e às gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear.

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei à orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa;
olhava para mim o vermelho doutor
— eu era então o João Fernandes Lavrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra,
fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói afinal é um tenor;
Siguefredo hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa à tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes, Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
— são estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!

P.S. A um Espanhol, claro está, nunca direi: — Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.

Afonso Lopes Vieira
(1878-1946)