Cada língua tem as suas características distintivas. E o que as distingue umas das outras pode ser usado para prospectar os traços de uma língua num texto escrito noutra. Uma das características típicas da língua galega ou portuguesa é a «síncope do n intervocálico», isto é, uma palavra latina que tinha lá no meio uma letra n, perdeu-a quando o latim se ambientou ao noroeste peninsular tornando-se «romanço ocidental ibérico». Não sabemos porquê; sabemos que aconteceu.
Os mais antigos textos escritos em latim mas com traços de galego ou português são:
• A carta de doação à igreja de Souselo (870)
• A carta de fundação e dotação da igreja de Lordosa (882)
• Um excerto do testamento de Dona Múnia (959)
• Uma carta de venda e doação (1026)
• O registo de Dom Paterno (1090)
Na carta de fundação e dotação da igreja de Lordosa, redigida inteiramente em latim, o escrivão cometeu dois erros de ortografia: onde deveria ter escrito monastica, escreveu «moastica»; e, na mesma linha, em vez de elemosynas pôs «elemosias». Deixou cair o n! Talvez porque era assim que falava ― sinal de que falava já o romanço ocidental, e não latim. Monastica vem, naturalmente, de monasterium, que deu «moasteriu > *moasteiro > mosteiro» etc. Elemosynas levou a «esmolas»; se não fosse a «síncope do l intervocálico», outra característica distintiva da língua, a etimologia ver-se-ia melhor (haveria de ser «elimósias» ou «elimosas» ― em catalão ficou «almoines», e em espanhol castelão é «limosnas» ― mas fluiu, talvez, «*eimosias > *emoslas > esmolas»).
m o a sti c a e l em o s i a (É um a esquisito, mas é um a, grafado de duas maneiras.) |
Pormenor da carta de fundação e dotação da igreja de Lordosa, datada de 882, onde se vê o "erro" do copista em «mo[n]astica» e «elemos[yn]a». O original está na Torre do Tombo.
Os primeiros textos em galego ou português (os que estão rasurados, já se mostrou convincentemente que são menos antigos) são:
1175 A notícia de fiadores (c. 1175)
1196 Ora Faz ost'o senhor de Navarra, cantiga de maldizer
séc. XII (2.ª metade) Notícia do abade Dom Pedro
1211-1216 Notícia de torto (c. 1214, entre 1211 e 1216)
1214 Testamento de Dom Afonso II
1214 Testamento de Dom Afonso II
1222 A cessão do mosteiro de Armeses à condessa Dona Sancha
1228 Foro do bom burgo de Castro Caldelas (pode ser de c. 1275)
1231 Núcleo diplomático no mosteiro de Melom
[ver também a minha postagem anterior]
[ver também a minha postagem anterior]
As quatro colectâneas de poesia trovadoresca em galego ou português, dos finais do século XII até meados do século XIV (apenas conhecidas por cópias dos séculos XV e XVI), são:
• Cancioneiro da Biblioteca Nacional (anteriormente conhecido como «Cancioneiro Colocci-Brancuti»)
• Cancioneiro da Vaticana
• Cancioneiro da Ajuda (anteriormente conhecido como «Cancioneiro do Colégio dos Nobres»).
• Cantigas de Santa Maria (mandado compilar por Afonso, o Sábio, rei da Galiza)
Para o seu Novo Dicionário do Português Arcaico ou Medieval (edição do autor, 2019), Américo Venâncio Lopes Machado Filho usou os seguintes textos antigos:
sXIII - Foro real de Afonso, o Sábio
sXIV - Tradução do Flos Sanctorum
sXIV - Tradução do Livro das Aves
sXIV - Tradução dos Diálogos de São Gregório (testemunho D)
1399 - Tratado dos sacramentos da ley antiga e nova
sXV - Vida de Tarsis
1415 - Livro dos Usos da Ordem de Cister
1434 - Crónica de el-rei D. Pedro I, de Fernão Lopes
1436 - Crónica de el-rei D. Fernando I, de Fernão Lopes
1443 - Crónica de el-rei D. João I, de Fernão Lopes
1486 - História de mui nobre Vespasiano
1500 - Carta de Pêro Vaz de Caminha
1536 - Grammatica da lingoagem portuguesa, de Fernão de Oliveira
Bibliografia adicional:
Corrêa de Oliveira & Saavedra Machado (1964) Textos portugueses medievais. Coimbra: Coimbra Editora.
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