COMPOSIÇÃO (recitação, redacção)
1. Géneros narrativos
• Conto
• Novela
• Romance
Há três modos literários: o narrativo (normalmente em prosa), o lírico (normalmente em poesia, mal haja a prosa poética) e o dramático (o teatro, supostamente um misto dos outros dois), uma classificação que aparece sob várias guisas desde Platão, Aristóteles e Horácio até hoje (v. Aguiar e Silva pp. 339s). O modo narrativo é associado ao texto em prosa, mas pode muito bem existir em poesia (aliás, o poema épico é clàssicamente incluído no modo narrativo e não no lírico), para não falar do relato oral (dramatizado?), que seria a origem da narrativa. Dentro do modo narrativo, consideram-se três gêneros principais de narrativa ficcional: o conto, a novela e o romance.
Massaud Moisés descreve e analisa maravilhosamente cada um deles no seu
livro A Criação Literária ― Prosa I
(1967). Em vez de «géneros» também se lhe chamam tipos, espécies, fórmas,
fôrmas, subgéneros (se os modos forem chamados de gêneros), etc. Na minha
cabeça faria sentido que, tal como na música temos a forma sonata,
a forma ternária, a forma rondó, etc., na literatura
teríamos a forma romance, a forma novela, a forma
conto, etc. (v. Aguiar e Silva pp. 385s, 596-604, 639-646).
“Muito mais complexo que o problema das fôrmas poéticas é o das fôrmas em
prosa. Primeiro, porque não se trata apenas de descrevê-las, (...) mas de
diferençá-las. Segundo, porque constitui problema ainda aberto e de notória
atualidade. A caracterização e o histórico das fôrmas poéticas pertencem à
retórica tradicional, enquanto a distinção e a análise das fôrmas em prosa
constituem questões da moderna teoria literária.” (Moisés, Criação p. 19)
“O aspecto numérico pode confundir o observador que relegar a segundo plano
o conteúdo e a estrutura das obras. Se é verdade que o conto encerra breve dimensão,
também é certo que isso decorre de fatores intrínsecos: os contos não são
contos porque têm poucas páginas, mas, ao contrário, têm poucas páginas porque
são contos.” (Moisés, Criação p. 24)
“Mas, que ingredientes são esses? (...) A ação,
as personagens, o tempo, o espaço, a trama, a estrutura, o drama, a linguagem,
o leitor, a sociedade, os planos narrativos, etc. Porque comuns ao romance, à
novela e ao conto, podem levar ao equívoco de supor improcedentes todas as
tentativas de estabelecer fronteiras entre as três fôrmas. O fato de o conto
abranger ingredientes do romance não invalida a distinção entre as duas fôrmas,
uma vez que se movem no mesmo território — a prosa de ficção. O que resta
firmar é a sua diferença, calcada na densidade, intensidade e arranjo dos
componentes: a título de exemplo, as personagens do conto discrepam das que
protagonizam o romance e a novela por sua densidade, intensidade e estrutura.”
(Moisés, Criação p. 25)
O conto é uma narrativa em
que os elementos formam uma unidade sintética, isto é, poucas personagens,
circunstância pouco caracterizada, um único conflito, que é resolvido; narração
é o recurso mais usado; descrição e dissertação tendem a anular-se:
|___| Unidade
dramática
A novela é uma narrativa em
que a acção tem a primazia e onde os eventos e as cenas se sucedem em ritmo
rápido até ao clímax; número ilimitado de personagens; liberdade de espaço e
tempo; diálogo e narração são os recursos mais usados; descrição pode estar
presente (v. p. ex. Moisés pp. 103s). Sucessividade dramática: continuidade
pela permanência de uma ou mais personagens, ou continuidade por substituição:
|___| > |___| > |___| > |___| > |___| > |___|
Pluralidade
mas sucessividade dramáticas
O romance é uma narrativa
que envolve um número considerável de personagens, circunstâncias várias
(liberdade total de espaço e tempo), múltiplos conflitos e intrigas paralelas
que resolvem (ou não) todas no final (v. Aguiar e Silva pp. 671s). Diálogo,
narração e descrição presentes; dissertação pode estar presente:
|___| |___|
|___| |___| |___| Pluralidade
e simultaneidade dramáticas
|___| |___|
Os originais destes esquemas gráficos são de Massaud Moisés (1967) A Criação Literária — Prosa I. Podem ser
encontrados em Mário Carmo & M. Carlos Dias (1976, p. 161), em Gomes (1987,
p. 98) e em Veríssimo et al. (1999, pp. 307-308). Parece-me que são excelentes visualizações
das semelhanças e diferenças entre estes gêneros narrativos, ainda que a
geometria de linhas rectas e ângulos não agradasse inteiramente a Massaud Moisés!
Para além destas «fôrmas» principais, há ainda o conto de fadas (fábula, conto maravilhos, conto popular, tale), a epopeia
(poema épico), a prosa poética
(Veríssimo et al. 1998, p. 32), o apólogo, a anedota, a parábola
(Gomes, 1987, p. 89) como géneros narrativos ficcionais, e também ensaios, crónicas, biografias, memórias, artigos que podem ser mais ou menos ficcionados (Veríssimo et al. 1999, p. 306), alguns também
estudados por Massaud Moisés (A Criação
Literária ― Prosa II, 1967).
2. Gramática da língua
• Morfologia
• Sintaxe
• Análise de texto
Saber a gramática da língua em que se escreve (as normas que a regulam) é essencial para redigir uma
narrativa. As partes da gramática da língua portuguesa aqui mais necessárias
são a morfologia (forma e flexão das palavras), a sintaxe (estrutura da frase) e a análise de texto. Também fazem parte da gramática a fonologia (função dos sons), a fonética (produção dos sons), a ortografia (representação dos sons), a pontuação (sinais
gráficos), a semântica (significados) e a pragmática (comunicação), mas penso
que são aqui supérfluas. Há ainda o léxico (totalidade das palavras), que, se bem entendo, situa-se fora da gramática. Uma gramática pode ser normativa (ou prescritiva, porque prescreve uma norma), descritiva (porque apenas descreve uma norma), histórica (porque pesquisa a história da norma) ou comparativa (porque compara várias normas ou várias línguas). Naturalmente, não vou compilar toda uma gramática: vou apenas listar os tópicos que me parecem mais importantes para quem escreve narrativas.
Morfologia
Classes de palavras, Formação de palavras, Família de palavras.
Substantivos (= nomes), Adjectivos, Determinantes (incluindo Artigos), Verbos (Flexão verbal [modo, tempo, número, pessoa, voz, aspecto]; Conjugações 1 activa – formas simples «partirei», 2 activa – formas compostas «terei partido», 3 passiva «serei partido», 4 reflexa «partir-me-ei», 5 pronominal «parti-lo-ei» e 6 pronominal reflexa «partir-m[e-l]o-ei»; Vozes activa, passiva e reflexiva), Pronomes (e Locuções pronominais), Advérbios (e Locuções adverbiais), Quantificadores (e Locuções quantificadoras), Preposições (e Locuções prepositivas), Conjunções (e Locuções conjuncionais), Interjeições (e Locuções interjectivas), Partículas expletivas ou de realce.
NOTA: segundo a terminologia do Dicionário Terminológico (2010), os numerais cardinais estão agora dentro dos quantificadores, mas os numerais ordinais são agora adjectivos numerais; as conjunções «porém», «todavia» e «contudo» são agora advérbios conectivos; os pronomes indefinidos também funcionam como quantificadores ou como determinantes («uso pronominal dos quantificadores e dos determinantes indefinidos»).
Verbos auxiliares: ter e haver (tempos
compostos), mas também ser e estar (voz passiva), dever e poder, começar e andar, ir e vir; e ainda acabar de, deixar de, haver de, ter de, ter que, estar para.
(Coelho & Costa 1997, p. 198; Anabela Gonçalves & Teresa da Costa 2002 (Auxiliar a) Compreender os Verbos Auxiliares, Edições Colibri, pp. 97-98)
Sintaxe
Frase, oração (= proposição) e período. Elementos estruturais, Funções sintácticas. Concordância, Regência.
Sujeito, Predicado, Vocativo, Modificador da frase (= Complemento circunstancial). Complemento directo (= BR objecto directo), Complemento indirecto (= BR objecto indirecto), DT Complemento oblíquo (= Complemento circunstancial ou Complemento directo precedido de preposição = BR objecto directo preposicionado), Complementos circunstanciais (= DT modificadores do predicado = BR adjuntos adverbiais). Predicativo do sujeito, Predicativo do complemento directo (= BR predicativo do objecto). Agente da passiva (e Paciente da passiva). Atributo (= DT modificador restritivo = BR adjunto adnominal), Complemento determinativo (= DT complemento do nome = BR adjunto adnominal), Aposto ou continuado (= DT modificador apositivo).
NOTA: pode haver orações sem predicado («Histórias!») ou com predicado subentendido («O homem pensa; a Natureza, não.»); BR, terminologia usada no Brasil (Nomenclatura Gramatical Brasileira, 1959, usada na Gramática de Cunha & Cintra 1985). DT, terminologia do Dicionário Terminológico (2010). As restantes são terminologias da Nomenclatura Gramatical Portuguesa (1967), a «tradição gramatical» usada oficialmente em Portugal até 2004. «A terminologia dos complementos está longe de estar uniformizada.» (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 29, p. 189)
Período: oração ou conjunto de orações que exprimem uma ideia completa. Oração absoluta ou independente. Orações coordenadas. Oração principal (ou subordinante) e orações subordinadas.
«(...) um fonema ou um conjunto de fonemas formam uma sílaba; uma sílaba ou um conjunto de sílabas formam uma palavra; uma palavra ou um conjunto de palavras formam uma oração ou proposição; uma oração ou proposição ou um conjunto delas formam um período; um período ou um conjunto de períodos formam um parágrafo; e, finalmente, o conjunto dos parágrafos forma o discurso.» (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 29, p. 189)
Articulação da frase: frases simples (uma só oração) ou complexas (duas ou mais orações); frases longas ou curtas; ordem directa ou inversa dos elementos da frase; articulação das orações (parataxe, coordenação, subordinação) (Moreira & Pimenta 1999, p. 355).
Articuladores do discurso: «isto é»; «por exemplo»; «todavia»; «no entanto»; «mas»; «pois»; «daí»; «quer»; «assim sendo»; «por outro lado»; «em suma»; «antes»; «embora» (Veríssimo 1998, pp. 335-336).
Análise de texto
Análise morfológica:
«Hoje a neve cobriu os prados e as casas com um manto cândido.»
1. hoje – advérbio (de tempo)
2. a – artigo (definido, feminino, singular)
3. neve – substantivo (comum, feminino, singular)
4. cobriu – verbo (3.ª conjugação, 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo, voz activa)
5. os – artigo (definido, masculino, plural)
6. prados – substantivo (comum, masculino, plural)
7. e – conjunção (copulativa)
8. as – artigo (definido, feminino, plural)
9. casas – substantivo (comum, feminino, plural)
10. com – preposição
11. um – artigo (indefinido, masculino, singular)
12. manto – substantivo (comum, masculino, singular)
13. cândido – adjectivo (masculino, singular)
Análise sintáctica da oração (a frase simples):
«Hoje a neve cobriu a paisagem com um manto cândido.»
1. hoje – = modificador da frase = complemento circunstancial
2. a neve – sujeito
3. cobriu – predicado
4. a paisagem – complemento directo = objecto directo
5. com um manto – complemento circunstancial = modificador do predicado = adjunto adverbial
6. cândido – atributo = modificador restritivo = adjunto adnominal
NOTA: na verdade, à função de predicado corresponde todo segmento «cobriu a paisagem com um manto cândido», estando, portanto, os complementos dentro do predicado (e «cândido» estará, por sua vez, dentro do complemento circunstancial, que, completo, será «com um manto cândido»); mas, para facilitar a apresentação da análise, divido logo a oração nas menores partes.
Análise sintáctica do período (a frase complexa):
«Hoje a neve cobriu a paisagem com um manto cândido e os meninos decidiram que tinham esperado este momento para pegar nos trenós e irem divertir-se.»
1. hoje a neve cobriu a paisagem com um manto cândido
– oração coordenada com a 2
2. e os meninos decidiram
– oração coordenada com a 1, principal da 3
3. que tinham esperado este momento
– oração subordinada à 2, principal da 4
4. para pegar nos trenós
– oração subordinada à 3, coordenada com a 5
5. e irem [eles: sujeito oculto]
– oração coordenada com a 4, principal da 6
6. divertir-se
– oração subordinada à 5
NOTA: nesta frase a subordinação é recursiva (umas subordinadas dentro de outras subordinadas); a classificação das orações coordenadas e subordinadas é mais intricada do que isto, mas deixo-a para os taxinomistas.
3. Valorização estilística
• Oratória, retórica e estilística
• Figuras de estilo, vícios de linguagem
• Outros processos de valorização
estilística
“Estilo é o modo de escrever as palavras, as frases, os parágrafos e,
enfim, todo o texto — e, importante, não está submisso às regras formais da
língua” (Assis Brasil p. 523). Vou aqui chamar de valorização estilística a um conjunto de recursos expressivos e de procedimentos
lingüísticos que visam criar no leitor ou na ouvinte um efeito desejado. Porque nasce da imaginação da autora, o valor estilístico tem infinitas possibilidades de expressão: “A utilização de uma adjectivação sugestiva, a ligação
inusitada de um substantivo a um adjectivo, o uso de uma pontuação que sugira o
estado de alma, a opção por uma sequência de vocábulos de um determinado campo
semântico, a utilização de processos enfáticos, etc.” (in Ciberdúvidas daLíngua Portuguesa [consultado em 12-02-2022]).
“Como determinar os elementos estruturais que condicionam a «temperatura»
de um texto literário? A sua visualidade
possui imagens nítidas ou amorfas, brilhantes ou embaçadas, estáticas ou
dinâmicas? A sua luminosidade é clara ou escura, cromática ou monocroma,
refulgente ou opaca? O seu ritmo é lento ou acelerado, marcado ou difuso? A sua
musicalidade é sonora ou surda, aguda ou grave, estridente ou suave, monótona
ou variada? A sua atmosfera é leve ou pesada, fria ou quente, abafada ou
arejada, expansiva ou constrangedora?” (Novaes Coelho 1974, pp. 94s).
As actuais questões de estilo têm origem na oratória
clássica e na retórica
literária, que desaguaram na moderna estilística, até
que “estilo passou a significar o modo pessoal de escrever” (Gomes 1987, p. 45). O plano da oratio (oração = oratória) tem 5 partes (Barthes 1970,
p. 176):
1. exórdio;
2. narração ou acção (relato dos factos);
3. argumentação ou prova;
4. digressão;
5. epílogo.
Este plano ainda hoje se vê na típica estrutura de qualquer texto em 3
partes: introdução (= exórdio), desenvolvimento (= narração + argumentação + digressão) e conclusão (= epílogo).
A retórica literária (escrita)
vem da retórica clássica (oral mais do que escrita) em que um discurso tem 5
fases:
1. invenção (eresis, inventio = achar o que dizer);
2. disposição (taxis, dispositio = o plano, a ordem das partes
do discurso);
3. elocução (lexis, elocutio = as figuras, isto é, os
ornamentos do discurso);
4. memória (mneme, memoria = memorizar o discurso) e
5. pronunciação (hypokrisis, pronuntiatio = proferir o discurso
oralmente).
A invenção era a recolha de argumentos para a defesa de uma causa; a disposição era a organização dos argumentos; a elocução era a parte relativa à escolha das palavras e do estilo; a memória era o confiar do discurso à memória, sabê-lo de cór; e a pronunciação era proferir o discurso oralmente, com dicção e gesticulação escolhidas para o efeito desejado.
No contexto do trivium medieval e
renascentista (grammatica, rhetorica e dialectica), Petrus Ramus, um autor muito influente, decide retirar à retórica a inventio e a dispositio e passá-las para o âmbito da dialética (ou lógica, como também se
lhe começou a chamar). Ora, como a memoria
e a pronuntiatio têm pouco a ver com
a comunicação escrita e são mais da esfera da comunicação oral, a retórica
escrita ficou reduzida à elocutio,
isto é, às figuras de retórica, a retórica literária, daí o sentido pejorativo
da palavra «retórica» quando designa algo de apenas superficial ou ornamental.
Com essas figuras se desenvolveu modernamente a estilística, que ainda adoptou uma das virtudes da elocutio, a clareza, entre outras
qualidades do estilo (por exemplo, simplicidade, precisão, concisão,
originalidade, ordem, adequação, etc.) (v. López Cano 1975, pp. 10s; todo o livro
de Mateus 2018; mas principalmente a excelente explicação da passagem da
retórica clássica [oratória] para a estilística moderna [textual] em Segre 1985,
pp. 225s; ver também Barthes 1970).
"A estilística se preocupa
com a(s) maneira(s) de exprimir o pensamento por meio da linguagem e tem como
objeto de estudo a expressão linguística e mais precisamente o estilo. O
pensamento pode ser expresso pelo léxico, pelas estruturas gramaticais da
língua, mas também pelas circunstâncias, pelas motivações que estão por trás da
produção de uma obra. É essa dicotomia que faz com que alguns estudiosos da
estilística valorizem apenas o nível linguístico da expressão, enquanto outros
associam a estilística apenas à literatura." (Cardoso 2017, Estilo e
discurso literário)
Valor figurado das palavras: sentido diferente do que têm na realidade
(Cardona & Santos 1994, p. 256). A melhor ferramenta que eu conheço para
compreender as figuras de estilo ainda é a claríssima página de Márcia
Fernandes, onde as figuras estão demonstradas com tiras de banda desenhada (https://www.todamateria.com.br/figuras-de-linguagem/). Esta categorização em quatro
grupos, sendo apenas uma das muitas possíveis, é a que aparece (com mais ou
menos variações) nas fontes que consultei:
1. Fónicas, fonéticas
ou do som: aliteração, paronomásia, assonância, onomatopeia, aférese, elisão,
síncope.
3. Semânticas ou de
palavras (tropos): metáfora,
comparação, imagem, metonímia, sinédoque, antonomásia, catacrese, sinestesia,
perífrase, metalepse; alegoria, símbolo.
4. De pensamento: hipérbole, eufemismo, disfemismo, litotes, ironia,
personificação ou prosopopeia, antítese, paradoxo, gradação, apóstrofe,
preterição.
Reuter (1997, pp. 111s) considera que, na prática da narrativa contemporânea, não se encontram todas as figuras, mas apenas três grandes tipologias de figuras:
a. Comparação, metáfora e imagem;
b. Metonímia e sinédoque;
c. Hipérbole, elipse e litotes.
Semelhantes às figuras, os vícios de linguagem são os seguintes: cacofonia, ambiguidade, arcaísmos, solecismos, barbarismos, neologismos, estrangeirismos, eco, pleonasmo vicioso (v. Gomes 1987, pp. 62-63; Martino 2014, pp. 579s).
Outros processos de valorização estilística
Para além dos seus significados habituais, os seguintes tópicos adquirem matizes expressivos (v. Carmo & Dias 1977, pp. 85s ― mas principalmente a parte sintáctica em Vázquez
Cuesta & Mendes da Luz 1971, que é particularmente rica e completa):
1.
Presença ou omissão do artigo:
a.
presença do artigo definido (afectividade ou familiaridade; valor
depreciativo);
b.
omissão do artigo definido (acumulação ou rapidez nas enumerações; valor
afectivo);
c.
presença do artigo indefinido (intensificação; marcação de símbolos);
d.
omissão do artigo indefinido (referência a uma espécie ou categoria).
2.
Valor afectivo do pronome (familiaridade; simpatia; respeito; exclamação; recriminação;
ironia; desprezo).
3.
Expressividade do adjectivo:
a.
anteposto ao substantivo;
b.
superlativado (pela repetição; pelo sufixo diminutivo; por frases
populares);
c.
substantivado;
d.
empregado em série (para indicar ampliação da forma ou do conteúdo da
frase; ou plenitude transbordante; ou percepção dual da realidade; ou ritmo e
melodia);
e.
transposto na frase (adjectivo expressivo ― variante de hipálage e de
sinédoque).
4.
Valor expressivo do verbo:
a.
Tempo: presente histórico (ou narrativo) ― com um valor temporal de pretérito
perfeito, que surge no sintagma narrativo para atualizar um evento passado,
conferindo-lhe maior vivacidade (Reis & Lopes 1988, p. 282);
b.
Tempo: presente momentâneo, durativo, habitual (Veríssimo et al. 1999, p. 297-299).
c.
Tempo: pretérito imperfeito descritivo (ou narrativo);
d.
Tempo: pretérito imperfeito iterativo, durativo (substitui o presente ou o
imperativo para suavizar uma afirmação, serve de suporte ao discurso indirecto
livre; Veríssimo et al. 1999, p.
297-299);
e.
Tempo: pretérito perfeito simples (indica uma acção que se produziu num certo
momento no passado; Veríssimo et al. 1999, p. 297-299).
f.
Tempo: pretérito perfeito composto (expressa a repetição de um acto ou a
sua continuidade até ao presente; Veríssimo et
al. 1999, p. 297-299).
g.
Tempo: pretérito mais-que-perfeito (em substituição do condicional composto
ou do pretérito imperfeito do conjuntivo);
h.
Tempo: pretérito mais-que-perfeito simples (refere-se a uma acção ocorrida
antes de outra acção já passada; Veríssimo et
al. 1999, p. 297-299).
i.
Tempo: futuro simples (para indicar um estado de dúvida ou uma ordem);
j.
Gerúndio (introduz um acção anterior, simultânea ou posterior à da acção
principal; progressão indefinida; acção durativa quando associado aos verbos
ir, vir ou estar; Veríssimo et al. 1999, p. 297-299).
k.
Modo: indicativo com valor de imperativo;
l.
Modo: conjuntivo em orações independentes (desejo; ordem; exclamação);
m. Modo: infinitivo com
valor de imperativo;
n.
Voz: activa (chama a atenção para o sujeito);
o.
Voz: passiva (dá relevo ao objecto ou à própria acção);
p.
Aspecto: durativo ou imperfectivo (acção inacabada);
q.
Aspecto: conclusivo ou perfectivo (acção acabada);
r.
Aspecto: incoativo (início da acção);
s.
Aspecto: resultativo (fim da acção);
t.
Aspecto: obrigativo (obrigatoriedade da acção).
5.
Partícula expletiva ou de realce (aparentemente desnecessária, realça o sentido da
frase: é que; cá; lá; que; etc.).
6.
Expressividade do advérbio:
a.
sugerindo imagens (em vez do adjectivo);
b.
como elemento metafórico;
c.
provocando emoções diversas;
d.
como elemento revelador de animismo;
e.
associado ao adjectivo (função atributiva);
f.
como elemento antitético do verbo;
g.
imprimindo musicalidade à frase.
7.
Interjeição (exprime estados emocionais que, para serem traduzidos,
necessitariam de muitas palavras).
8.
Sinais de pontuação (exclamação; reticências).
Suspensão da frase: a frase fica por acabar, para que o leitor use a sua imaginação. Ex. «E há tantas árvores no campo...» (Gomes et al. 1993, p. 202)
Repetição: o uso intencional da repetição intensifica a ideia a transmitir. Ex. «Era uma vez uma velha muito velha e muito feia e muito má...»
“Atente-se, a título de exemplo, na forma como o narrador de O crime do padre Amaro se refere ao Libaninho: «Rosto gordinho», «passinho miúdo», «babando-se de ternura devota», «saracoteando-se, com um pigarrinho agudo», «a sua vozinha era quase chorosa» (p. 61-62) — o traço estilístico dominante é, sem dúvida, a sobrecarga de diminutivos, que neste contexto funcionam conotativamente, indiciando um temperamento efeminado e beato sobre o qual recai a ironia do narrador.” (Reis & Lopes 1988, p. 165)
Ainda sobre o valor expressivo do verbo
“Alternância do pretérito imperfeito com o pretérito perfeito. O imperfeito implica ausência de limites de um processo; o perfeito tende a delimitar e encerrar um processo. O perfeito faz progredir a acção e, como tal, é freqüentemente usado para os acontecimentos principais; o imperfeito é usado para acontecimentos secundários, que ajudam a compreender, mas não fazem avançar a acção. Por exemplo, numa narrativa ideal, se suprimíssemos as orações com verbos no imperfeito, a imagem global das acções continuaria perceptível; essa imagem seria completamente destruída se suprimíssemos as orações com o verbo no perfeito.” (Reuter 1997, pp. 98-100)
“É a ambigüidade desse tempo verbal [o pretérito imperfeito] que o torna extremamente adequado à narração de sonhos ou pesadelos. [...] Grande parte do prazer que se tem em ler Sylvie deve-se a uma alternância muito bem calculada entre o [pretérito] imperfeito e o pretérito perfeito, o emprego do imperfeito criando uma atmosfera onírica na história.” (Umberto Eco, Seis passeios, 1.º passeio pp. 17s)
“O emprego do particípio desacompanhado de auxiliar exprime fundamentalmente o estado resultante de uma ação acabada. Além disso, o particípio dos verbos transitivos tem valor passivo. Portanto, ao utilizar esses dois termos, o narrador consegue, ao mesmo tempo, caracterizar um estado do sujeito «Ateneu» e apontar a ação e o agente que provocam esse estado. Por meio dessa estratégia lingüística, facilmente verificável pela análise gramatical, o sujeito do verbo «ser» torna-se passivo de uma ação que tem o seu agente declarado.” (Brait 1985, p. 21)
Sem comentários:
Enviar um comentário