DISCURSO = enunciado, texto (expressão da história)
4. Modo do discurso: Distância
• To tell, to show e a ilusão mimética
• Discurso indirecto, discurso indirecto livre e discurso directo
• Monólogo interior, stream of consciousness
Esta categoria de modo do discurso não é mais do que a velha distinção entre to tell, contar a história, e to show, mostrar a história. Já Platão e Aristóteles faziam a distinção entre mimesis (μίμησις) e diegesis (διήγησις), depois recuperada na prática pelo escritor Henry James (1843-1916) e teorizada pelo seu editor Percy Lubbock (1879-1965) (v. DR pp. 184-185) ― se é que alguma vez esteve fora de uso: Gustave Flaubert (1821-1880) também a usou, mas sem fazer grande alarido sobre isso (Bourneuf & Ouellet 1978, p. 109).
Só que em vez de aceitar estes dois territórios contrastantes, com uma fronteira estanque entre eles, Genette (com Wayne Booth e outros teóricos) considera que o que existe, com efeito, é uma gradação de vários tipos de telling até ao showing puro — uma maior ou menor distância entre o discurso e a história (DR p. 185; NDR pp. 29-39), consoante o grau de presença do narrador no discurso:
• To tell (contar, diegesis): narrador distante da história em diferentes graus, representação selectiva, compressão; desvia o leitor do material narrado e orienta-o para o narrador; representação que manipula a história ― resume, elide, etc.
• To show (mostrar, mimesis): narrador tão próximo à história que desvanece a sua presença (ocultação do narrador); representação de tipo dramatizado; visão de uma das personagens; privilegia o diálogo.
Na verdade, o discurso narrativo nunca atinge o showing, que apenas é possível na representação dramática, onde os gestos e as falas dos actores no palco (ou na tela) permitem realmente mostrar a história. A narrativa é “um acto de linguagem” (NDR p. 29), há sempre uma narração, um narrador contando a história, mesmo onde este esteja tão apagado que pareça que a história «se conta a si mesma», efeito que se consegue com escolhas discursivas que criam uma ilusão mimética (DR p. 185; NDR p. 31).
Um exemplo (perfeito!) do suposto puro showing anglo-saxónico encontra-se em The Maltese Falcon de Dashiell Hammett (v. Bell 2004, p. 207 [v. tb p. 120]; a versão telling é uma proposta de Bell, a versão showing é a verdadeira de Hammett):
Telling: The woman threw herself, crying, into Spade’s arms. He detested her crying. He detested her. He wanted to get out of there.
Showing: “Did you send for Miles’s brother?” he asked.
“Yes, he came over this morning.” The words were blurred by her sobbing and his coat against her mouth.
He grimaced again and bent his head for a surreptitious look at the watch on his wrist. His left arm was around her, the hand on her left shoulder. His cuff was pulled back far enough to leave the watch uncovered. It showed ten-ten.
Aqui vê-se bem (especialmente depois de se ler sobre a gradação de telling) que este showing é também um telling! A diferença é que telling usa adjectivos e/ou verbos mais gerais, num estilo curto e seco (crying, detested, get out of), enquanto que showing usa diálogo, adjectivos e verbos sensoriais, sugestões de movimento (uma pergunta, sobbing, grimaced, surreptitious, imagem do relógio e as horas exactas sugerindo pressa e enfado).
O narrador é bastante mais visível no primeiro, mas eu não diria que está ausente no segundo, porque parece-me que a cena está a ser contada com tanta descrição como no primeiro (que aliás nem é muita em qualquer destes casos) — mas há, com efeito, uma ilusão mimética no segundo: parece texto escrito para ser representado num palco, uma cena de filme, sem narrador. Não admira que eu, por mais livros que lesse, nunca tenha conseguido perceber a diferença entre um texto que me dizem que shows coisas e outro que me dizem que tells coisas!
Todos os discursos são, portanto, contados. Genette faz uma primeira divisão entre «discurso dos acontecimentos» e «discurso das personagens» (récit de paroles = discurso das falas, mas sigo aqui, mais ou menos, a tradução que encontro no dicionário de Reis & Lopes 1987) dizendo que o primeiro é sempre contado, isto é, o narrador está bem visível quando eventos acontecem mas as personagens não falam. É usado o tradicionalmente chamado discurso indirecto e que Genette chama de discours narrativisé ou raconté, discurso narrado ou contado.
No «discurso das personagens» é que ocorre, então, uma gradual aproximação ao showing: as falas das personagens podem ser contadas pelo narrador usando o discurso indirecto (como se fossem acontecimentos), mas também podem ser transpostas mais ou menos indirectamente pelo narrador usando o discurso indirecto livre (discours transposé).
As falas podem ainda ser reproduzidas tal-e-qual (o máximo de ilusão mimética) usando o discurso directo (discours rapporté), que Genette diz ser um discurso «imediato», ou seja, acontece ao mesmo tempo que as personagens falam (ligação com a cena dialogada, isócrona), aproximando-se, portanto, da representação dramática.
[N.B. Eu prefiro utilizar as designações tradicionais para os tipos de discurso, bem conhecidas, e que, de qualquer maneira, correspondem quase exactamente às de Genette. Noto ainda, por curiosidade, que as expressões «narrativa dramática» e «drama narrativo» são paradoxais para Genette (e eu concordo): se é narrativa, não é drama; se é dramático, não pode ser narrativo (p. ex. NDR caps. III e VII).]
Um possível esquema desta gradação de ilusão mimética seria este:
Telling puro >>>>>>>>>>> gradação >>>>>>>>>>>> Showing puro
__________Modo narrativo_________ Modo dramático
d. indirecto > d. indirecto livre > d. directo > representação dramática
Para efeitos do discurso, os pensamentos das personagens comportam-se como as falas das personagens (NDR pp. 42-43), por isso Genette inclui no discurso directo, imediato, aquilo a que tradicionalmente se dá o nome de «monólogo interior», porque “o essencial (...) não é que ele seja interior, mas que seja imediato [qu’il soit d’emblée]” (DR p. 193) e, no caso da sua variante stream of consciousness (traduzida como «corrente de consciência» por Reis & Lopes, «fluxo de consciência» por Assis Brasil), que saia de rajada, logo à primeira, fora de controlo [“sintaxe extremamente frouxa, pontuação escassa ou nula, grande liberdade, sob todos os pontos de vista, no uso do léxico, etc., sem qualquer intervenção do narrador e fluindo à medida que as ideias e as imagens, ora insólitas ora triviais, ora incongruentes ora verosímeis, vão aparecendo, se vão atraindo ou repelindo na consciência da personagem” (Aguiar e Silva pp. 747-750)].
Vale a pena, talvez, mencionar os sete tipos de discurso de Brian McHale (1978, ‘Free Indirect Discourse: a survey of recent accounts’, Poetics and Theory of Literature 3:249–287, pp. 258–259, v. tb. Norman Page 1973, Speech in the English Novel. London: Longman, pp. 31–35; in Rimmon 2002, pp. 111s), que subdividem a ilusão mimética de Genette. Não trazendo nada de novo, servem para lembrar que a gradação de distância é quase infinita e que estas tipologias do discurso são guias úteis mas flexíveis. Aqui fica uma tabela de equivalências, em francês:
Genette (1983, p. 38, chp. IX)
McHale (7 dégrées de mimétisme)
Exemplo.
1. Discours narrativisé (= indirect)
1. Sommaire diégétique [Resumo diegético]
« Marcel parla à sa mère pendant une heure. »
1. = “ “
2. Sommaire moins purement diégétique
« Marcel informa sa mère de sa décision d’épouser Albertine. »
2. Discours transposé (= ind. libre)
3. Paraphrase indirecte du contenu (d. ind. régi)
« Marcel déclara à sa mère qu’il voulait épouser Albertine. »
2. = “ “
4. Discours indirect (régi) partiellement mimétique
« Marcel déclara à sa mère qu’il voulait épouser cette petite garce d’Albertine. »
2. “ “
5. Discours indirect libre
« Marcel alla se confier à sa mère : il fallait absolument qu’il épousât Albertine. »
3. Discours rapporté (= direct)
6. Discours direct
« Marcel dit à sa mère : Il faut absolument que j’épouse Albertine. »
3. = “ “
7. Discours direct libre
« Marcel va trouver sa mère. Il faut absolument que j’épouse Albertine. »
Em todos os livros da escola e em qualquer manual da língua se podem encontrar as características tradicionais dos discursos. No discurso indirecto a linguagem e/ou personalidade não é a da personagem, mas a do narrador: “O narrador não abdica do seu estatuto de sujeito da enunciação: seleciona, resume e interpreta a fala e/ou os pensamentos das personagens, operando uma série de conversões a nível dos tempos verbais, da categoria lingüística de pessoa e das locuções adverbiais de tempo e de lugar” (Reis & Lopes 1987, p. 276). Normalmente tem objectividade, denotação, pontuação lógica (Veríssimo et al. 1999, p. 15). Usam-se:
1. Verbos na 3.ª pessoa.
2. Verbos declarativos seguidos de que ou se (Cardona & Santos, p. 77).
3. Verbos no pretérito imperfeito (indicativo), pretérito mais-que-perfeito (indicativo), futuro do pretérito (indicativo), pretérito imperfeito (conjuntivo).
4. Pronomes pessoais na 3.ª pessoa (ele/eles, ela/elas).
5. Pronomes ou determinantes demonstrativos: aquele/aqueles, aquilo.
6. Pronomes ou determinantes possessivos: seu (dele) / seus (deles).
7. Advérbios e expressões: ali, lá, além; então, naquele momento, naquele dia, na véspera, no dia seguinte, depois.
8. Frases interrogativas indirectas.
Ex. «Pedia-lhe às vezes que olhasse bem para ele, que olhasse bem e dissesse se aquele era o mesmo homem que ele tinha conhecido.»
No discurso indirecto livre o narrador fala quase como se fosse a personagem; é mais usado para transcrever pensamentos, mantém expressões peculiares da personagem (com respectiva pontuação) e segue tempos verbais como no discurso directo (DR p. 192). As palavras ditas ou pensadas por um personagem (discurso directo) são incorporadas no discurso do narrador (discurso indirecto) (Teixeira & Bettencourt 1997, p. 150). “É um discurso híbrido, onde a voz da personagem penetra a estrutura formal do discurso do narrador, como se ambos falassem em uníssono. A terceira pessoa e os tempos da narração coexistem lado a lado com os dêicticos [advérbios de contexto], as interrogações diretas, os traços interjetivos e expressivos, a ausência de recção [regência + concordância]. (...) Este tipo de discurso permite representar os pensamentos da personagem sem que o narrador abdique do seu estatuto de mediador. É, pois, um processo suscetível de incorporar no fluxo narrativo o «realismo subjectivo» que pode reger a representação do mundo interior das personagens.” (Reis & Lopes 1987, p. 277)
Ex. «Odiou Castanho, odiou Alcibíades, odiou-se a si mesmo. Fossem todos para o diabo!» (Érico Veríssimo).
O discurso directo é, portanto, o registro integral da fala da personagem (diálogos e monólogos), isto é, o narrador reproduz, directa e fielmente, as palavras pronunciadas ou pensadas pelas personagens (Teixeira & Bettencourt 1997, p. 149), como se as personagens falassem directamente, sem a interferência do narrador; é o máximo possível de ilusão mimética. É indicado convencionalmente na mancha gráfica por meio de «dois pontos, parágrafo, travessão» e as falas das personagens são introduzidas, finalizadas ou entremeadas por verbos como dizer, afirmar, responder, sugerir, perguntar, indagar, exclamar, concluir, etc. Normalmente tem subjectividade, conotação, pontuação expressiva, as falas das personagens ganham em naturalidade, tocadas pela emoção, reforçada por exclamações, interjeições, reticências, interrogações, vocativos e imperativos (Veríssimo et al. 1999, pp. 15 e 19). Usam-se:
1. Verbos na 1.ª ou 2.ª pessoa.
2. Verbos declarativos.
3. Verbos no presente (indicativo), pretérito perfeito (indicativo), futuro do presente (indicativo), futuro (conjuntivo), modo imperativo.
4. Pronomes pessoais na 1.ª pessoa (eu/nós) ou na 2.ª pessoa (tu/vós/você).
5. Pronomes ou determinantes demonstrativos: este/estes, esse/esses, isto/isso.
6. Pronomes ou determinantes possessivos: meu/meus, teu/teus.
7. Advérbios: aqui, cá, aí; agora, hoje, ontem, amanhã, logo.
8. Frases interrogativas directas.
Ex. «— Olha bem para mim, — pede-me às vezes — olha bem e diz lá se este é o mesmo homem que tu conheceste?...» (Manuel da Fonseca)
É também muito comum encontrar nos manuais a técnica de conversão entre discurso directo e indirecto. Na passagem do discurso directo para o indirecto: presente > pretérito imperfeito; pretérito perfeito > pretérito mais-que-perfeito; futuro do presente > futuro do pretérito (condicional); modo imperativo > imperfeito do conjuntivo. Porém, há excepções, por exemplo (Guerra & Vieira 1995, p. 36 Caderno; Veríssimo et al. 1999, p. 20):
Directo: «Terás bons resultados, João?» [futuro]
Indirecto: «Ela perguntou ao João se teria bons resultados.» [pretérito perfeito + futuro do pretérito] OU «Ela pergunta ao João se terá bons resultados.» [presente + futuro]
Existe ainda uma classificação dos registos subjectivos do discurso (Reis & Lopes 1987, pp. 285s) pela presença de certas qualidades lingüísticas, sem fronteiras delimitadas (um mesmo fragmento textual pode ilustrar mais do que um registo). Trata-se, mais uma vez, de um instrumento teórico de pouca utilidade prática, que Carlos Reis até retirou da nova versão do seu dicionário (Reis 2018).
5. Modo do discurso: Perspectiva (focalizações)
• Focalização zero (perspectiva não focada, omnisciente)
• Focalização externa
• Focalização interna: fixa, variável ou múltipla
A «teoria das focalizações» (incluindo as alterações à perspectiva) consolidou-se como a mais feliz contribuição de Gérard Genette para os estudos sobre a narrativa (acham isso Rimmon, Assis Brasil, Carlos Reis, Aguiar e Silva p. 765, o próprio Genette NDR p. 44), substituindo conceitos de definição pouco precisa, como «ponto de vista», «visão», «foco narrativo», «aspecto», «restrição de campo», o sistema de Jean Pouillon, o de Norman Friedman ou o de Mieke Bal, entre outros (v. DR p. 206 para um bom resumo; ou Aguiar e Silva p. 765 nota 185 e p. 768 nota 193).
A perspectiva não focada (perspective non-focalisée ou focalisation zero na expressão de Genette) é o que na crítica anglo-saxónica se conhece por «narrador omnisciente» (confundindo modo do discurso com voz da narração): “onde o discurso não parece privilegiar nenhum «ponto de vista», introduzindo-se [o discurso] à vez e à vontade no pensamento de todas as personagens” da história (Genette, Fiction et Diction p. 63). Na prática, é onde o narrador sabe mais que as personagens ou, mais precisamente, diz mais do que o que sabem as personagens; Tzvetan Todorov simboliza-a por N > P (v. DR p. 206).
A focalização externa “consiste em [o discurso] se abster de qualquer incursão na subjectividade das personagens para não relatar senão os seus feitos e gestos, vistos do exterior, sem nenhum esforço para os explicar” (Genette, Fiction et Diction p. 63). Na prática, o narrador diz menos do que o que sabem as personagens; Todorov simboliza-a por N < P.
Na focalização interna, a mais complexa, o discurso entra na subjectividade das personagens. Na prática, o narrador apenas diz o que sabem as personagens ou, mais precisamente, não diz mais do que o que sabe uma dada personagem; Todorov simboliza-a por N = P. Pode ser fixa (a personagem focal é sempre a mesma), variável (a personagem focal não é sempre a mesma) ou múltipla (o mesmo evento é evocado por personagens focais diferentes) [a mim parece-me que estes subtipos também se podem aplicar à externa, mas enfim; são preciosismos taxonómicos de pouco interesse prático].
Um possível «truque» para saber se, num dado segmento discursivo redigido na 3.ª pessoa, a focalização é externa ou interna (proposto, aliás, pelo próprio Genette no DR p. 210, e antes dele por Barthes 1966, p. 20; v. Rimmon 2002, p. 77) é tentar reescrevê-lo na 1.ª pessoa: se isso for possível, é interna; se não for, é externa.
É bom ter sempre em mente que, no sistema de Genette, nunca é uma personagem que foca ou é focada: é o discurso ele próprio que é focado (ou «focalizado»), nunca uma personagem. Refutando o sistema de «focalizador versus focalizado» de Mieke Bal, Genette diz ainda que o «focalizador», a existir, só pode ser quem foca o discurso, isto é, o narrador (a voz da narração), nunca uma personagem (NDR p. 48).
Portanto, se se usar essa sintaxe, é o narrador que foca o discurso nesta ou naquela personagem, neste ou naquele acontecimento. Não se trata, assim, na focalização interna, de «olhar através dos olhos de uma personagem» nem de «ver o que ela está a ver», mas de veìcular ao leitor a informação de que é esta ou aquela personagem que vê qualquer coisa e que coisa é essa (e quem diz vê diz ouve, cheira, toca, sente, degusta, pensa, enfim, percepciona). Desta maneira é possível mudar o foco sem que o tipo de focalização mude (NDR p. 51): interna sobre uma personagem passa a interna sobre outra personagem, por exemplo (o narrador foca o discurso numa personagem e depois foca-o noutra).
Diz Genette que uma focalização é sempre uma restrição (DR p. 209): o discurso só veìcula uma parte da informação (aquela que o autor escolhe passar). A focalização interna, por exemplo, “serve para isolar outra personagem (ou grupo) numa exterioridade misteriosa” (DR p. 209 nota 1) e só é plenamente realizada no discurso em monólogo interior (DR pp. 209-210), no qual o leitor e só o leitor sabe o que a personagem pensa, deixando todas as outras de fora.
Não é demais lembrar que, uma vez que se pode contar uma história e vê-la ao mesmo tempo, mas também que se pode contar o que foi visto por outra pessoa, ver e contar são duas actividades diferentes e distingui-las é uma necessidade teórica (Rimmon 2002, p. 74). Faço, portanto, uma achega a duas classificações que exemplificam a comum confusão entre perspectiva e/ou distância (modo, «quem vê?») e voz (narração, «quem fala/conta?»), que o sistema de Genette veio clarificar.
Aguiar e Silva (pp. 769s) oferece uma classificação em cinco pares de oposições (focalização heterodiegética versus homodiegética; interna versus externa; omnisciente versus restritiva; interventiva versus neutral; e fixa versus variável e múltipla), mas eu concordo com Carlos Reis (O Conhecimento da Literatura, nota 38 do capítulo 6, p. 268 da 2.ª edição brasileira) quando este especialista diz que “os termos em que Aguiar e Silva (pp. 769s) analisou a problemática da focalização constituem, nalguns aspectos, uma regressão (...). (...) Conceitos [que] confundem de novo a perspectiva narrativa com a narração, domínios evidentemente relacionados, mas autónomos (...).”
Já Norman Friedman (1955, “The Point of View in Fiction: The Development of a Critical Concept.” PMLA 70(5): 1160-1184) propôs uma classificação em sete tipos (omnisciência editorial, omnisciência neutra, «eu» como testemunha, «eu» como protagonista, omnisciência selectiva múltipla, omnisciência selectiva, e modo dramático; v. Aguiar e Silva p. 768 nota 193 para um bom resumo), muito usada em livros e cursos de escrita (por Timbal-Duclaux, p. ex.), mas tão complexa e minuciosa que Luiz Antonio de Assis Brasil deixou de a usar na sua famosa oficina literária (v. nota 2 ao capítulo 5): “A partir de certo momento, percebi que essa nomenclatura, se útil para os estudos literários, já não correspondia às formas assumidas pela narrativa atual; a multiplicidade e a minúcia das técnicas narrativas mais confundiam do que ajudavam os escritores em formação.”
6. Modo do discurso: Alterações
• Paralipse
• Paralepse
No contexto da perspectiva, Genette criou ainda dois conceitos para descrever as alterações à perspectiva dominante num dado discurso. Estas são infrações isoladas “que não contestam a tonalidade do conjunto” (DR p. 211).
A paralipse consiste em dar menos informação do que seria em princípio necessária (deixa de lado informações que devia dar). O exemplo típico são as histórias de detectives, onde uma focalização interna afinal não diz ao leitor tudo o que o detective sabe (v. DR p. 212).
A paralepse consiste em dar mais informação do que seria em princípio autorizado no código da focalização que rege o conjunto (dá informações que devia deixar de lado). Um exemplo é quando, estando em focalização externa, há uma breve incursão, em focalização interna, na consciência da personagem (DR p. 213).
Nenhum destes desvios implica uma mudança completa para outra focalização, apenas uma breve (lá está) alteração.
[-lipse: deixar passa, largar, excluir (elipse, paralipse)]
[-lepse: tomar, apanhar, agarrar, acadar (analepse, prolepse, paralepse, metalepse, silepse)]
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