sábado, 2 de agosto de 2008

Infusões Simples

Na sequência das Tisanas Hatherlyanas, achei que estes pequenos textos que se seguem não se inseriam bem na designação "tisana". Então, chamei-lhes infusões. E são simples, sem açúcar.


1
Estava ela linda, deitada no banco do jardim, em frente ao Banco. Eu mirava-a, não conseguia desgrudar os olhos da figura dela. Não sei se ela me sentia. Mas estava linda. Avancei para ela e comi-a.

2
Didacus de Cirenus comia, comia, comia. E bebia. Quando explodiu ninguém estranhou muito. Ninguém? Bom, não era bem assim: Didacus de Cirenus ficou estupefacto! Ele não tinha consciência do que era.

3
His Highness The Cat rushed down the stairs after swindling His Lordship The Dog and Her Ladyship The Parrot of all their attention. Cats are swift, humans are unaware, and all the others are just all the others; but a cat that is a HH has all what all they have. When the humans became aware, the confusion had already been installed and was all too late...

4
Era uma vez um pato que andava sempre de costas. Um dia caiu, tropeçou e caiu, simplesmente... e nunca mais se levantou. Caiu para debaixo do machado do lenhador.

5
Eduardo de Castelo Negro tinha morto a namorada à facada, mas não foi esse o crime que o levou à alçada das autoridades: foi o seu cadáver que ficou à guarda da GNR quando foi encontrado. Ao longo da investigação foram-se descobrindo os podres de Eduardo. Nada se podia fazer sobre ele, e o pior é que alargava o leque de suspeitos. Um dia, semanas após o início das investigações, um brilhante inspector chegou e resolveu logo tudo: arquivou o caso por falta de um suspeito...

6
Era uma vez uma criança que se transformou em adulto sem perceber. Arranjou emprego, mas não sabia fazer nada. Estudou, mas não sabia o quê. Casou, criou família, mas não sabia porquê. Decidiu acabar com tudo e não conseguia. Desempregou-se, separou-se, deixou de ler, mas não conseguiu acabar com tudo. Tentou mudar-se. Tentou mudá-los. Tentou mudar tudo, todos, nadas. Não conseguiu. Mudou muito mas não tudo, nem todos, nem nadas. Havia sempre qualquer coisa — nunca conseguiu acabar com tudo. Nem quando morreu.

7
Era uma vez um rei que queria ser um homem do povo. Então, um dia, disfarçou-se de camponês e foi para o campo disposto a cavar a terra. Mas não sabia fazer aquilo e depressa se fartou. Quis voltar a ser rei mas não conseguiu, não o deixaram. Ele insistiu e foi açoitado, acusado, condenado a pagar o que não tinha, preso, mutilado, quase executado. Anos depois, quando saiu depois de cumprir a pena, conformado com a sua sorte e em como era sempre mais fácil descer na vida do que subir nela, encontrou à sua espera à porta da prisão o seu antigo secretário e o comissário da guarda, sorridentes e com o sentido do dever cumprido no olhar. “Sua Majestade está contente? Tal como queria, pensámos em lhe proporcionar uma experiência o mais próximo possível das que acontecem a um homem do povo...”

8
Alexandre da Silva Bruno, um abastado comerciante da capital, viu a sua vida escapar-se-lhe por entre os dedos no dia em que a agarrou com as mãos: a caixa estava vazia, as algibeiras estavam vazias, a cabeça estava vazia. Quis enchê-las mas as mãos nunca conseguem agarrar a vida, a não ser que seja material. Então perdeu-a.

9
Era uma vez um Alexandre de nome que tinha a mania que era Magno. Fazia com que toda a gente o tratasse por Magno, assinava Magno, chegou mesmo, ao chegar à maioridade, a alterar o nome no Registo Civil para Magno. Quando lhe morreu o tio-padrinho, a herança em testamento foi parar ao Alexandre...

10
O presunto era branco, da quantidade de toucinho que tinha. E era toucinho alimentado a farinhas industriais. Fazia Deus sabe que esforço por levar aquilo à boca, mastigar e engolir, fingindo que comia, tentando evitar que ele me enchesse o copo continuamente. Três horas depois, sentados num banco corrido a cair de podre, o papel em cima de uma pipa praliné de teias de aranha, a minha Parker de prata numa mão suada e suja de uma semana, lá consegui que o velho assinasse o contrato de venda...

11
A mesa cheia foi regada com champagne genuíno. Literalmente regada: ninguém reparou que a garrafa tinha sido agitada e a rolha estalou, chovendo o líquido nectarino para cima das iguarias. Ficou o jantar de Ano Novo estragado. Fomos jantar fora. E saiu mais barato!

12
O piano do Alberto estava todo, todo estragado! E o Alberto sabia. Era uma catástrofe para os outros quando insistia em tocar...

1 comentário:

Raquel Santos Silva disse...

Estes textos foste mesmo tu que escreveste? Muito fixe, sim senhor... simples, podes crer, mas com muito conteúdo :D