segunda-feira, 22 de julho de 2024

«O artigo científico está obsoleto», diziam eles...


No dia 7 de Abril de 2018, o meu amigo Carlos Afonso mandou-me um link para um texto que tinha aparecido dois dias antes na histórica revista norte-americana The Atlantic

O texto era assinado por James Somers e trazia o seguinte título: The Scientific Paper Is Obsolete. Here's What's Next (ainda está em linha: https://www.theatlantic.com/science/archive/2018/04/the-scientific-paper-is-obsolete/556676/).

Estou a falar nisto agora porque encontrei por acaso o e-mail que escrevi imediatamente em resposta ao meu amigo. Vale a pena transcrevê-lo aqui, porque mostra uma opinião que eu continuo hoje a subscrever sobre um tópico que continua a ser incompreendido.

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Obrigado. É longo, não tenho tempo agora para ler isso tudo, mas muita coisa há a dizer sobre o tópico. O que posso comentar desde já, depois de ter skimmed through, é que quem escreve coisas com este título assume que a única função de um artigo científico é comunicar novos resultados, quando essa é apenas uma das suas funções. Para já, existem muitos tipos de artigos científicos (research papers, short comms, opinions, digests, letters, etc.) e depois (e hoje em dia principalmente) os artigos servem para pôr no CV, dar estatuto profissional aos autores, obter grants, mostrar produção, etc. Pode-se não gostar desta função, mas ela existe, é um facto do «fazer Ciência» moderno. 

Outra função é a da narrativa: dependendo na disciplina, é mais ou menos preciso escrever um paper com uma narrativa, i.e., justificar um resultado, uma interpretação, uma opinião, uma abordagem. Raramente basta apenas mostrar os novos resultados ou o novo método: é quase sempre preciso interpretá-los, e eu sou daqueles que acha que é aqui, depois dos resultados ― ou mesmo apesar dos resultados, in spite of the results ― que começa a Ciência com maiúscula. 

Outra questão é considerar que a Ciência deve ser feita com base nas ideias positivistas de progresso e generalização, o que significa que conseguir mais resultados e mais depressa é melhor do que obter menos resultados e parar para pensar sobre eles. Como se «fazer Ciência» valesse por si só (Ciência como ideologia ou mesmo religião) e não como um conjunto de métodos racionais para chegar ao Conhecimento (ideias iluministas, o primado da Razão, sem pressas: Buffon demorou 40 anos a escrever a sua Histoire Naturelle em 36 volumes, e quando morreu deixou material preparado para mais oito volumes!

Enfim, como vês, eu tenho opinião sobre o assunto, e um dia hei-de escrever um paper sobre isto ― ou pelo menos um post no meu blog.

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E cá estamos. Mais de seis anos depois e sem ser exactamente uma postagem alargando o tópico para além do e-mail, mas cá está.

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