segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Não-conto...

sem título

Era uma vez um vendedor estático. Quando lhe perguntavam o que fazia na vida ele respondia:
— Sou vendedor estático.
Eles bem-intencionadamente corrigiam:
— Ambulante, quer o Sr. dizer.
Ao que ele replicava imediatamente:
— Não, não: vendedor estático.
— E o que faz um vendedor estático?
— Vende coisas estàticamente.
Ao olhar silencioso, interrogativo e incrédulo dos interlocutores após esta lauta explicação, ele expandia:
— O que eu faço é ficar na rua muito quieto enquanto as pessoas tentam comprar-me coisas.
— Ah... E conseguem?
— Não, porque eu fico estático!
Seguia-se sempre um breve silêncio porque os seus interlocutores procuravam a pergunta seguinte, que invariàvelmente era esta:
— E o que querem eles comprar de si?
— Paciência.
— Paciência?
— Sim, paciência. Tenho muita para vender.
— E os seus clientes precisam dela?
— Oh se precisam! Nenhum a tem, daí que tantos a queiram comprar.
— E porque não deixa de ficar estático e a vende?
— Se o fizesse gastaria logo toda a paciência que teria para vender!...
E aqui o vendedor estático fazia sempre uma pausa dramática.
— Houve, porém, uma vez em que consegui, de facto, vender paciência... A uma cliente que, no entanto, a tinha em abundância. Foi a única que esperou pacientemente.
— E quanto lhe cobrou?
— Nada, a paciência vende-se de graça.

Escrito em Angers, a 19 de Agosto de MMXIV

2 comentários:

mc disse...

Esta diálogo poderia ter acontecido num dos planetas no "principezinho". Gosto muito!

Miguel Pires Prôa disse...

Bem pensado, podia mesmo! Obrigado!