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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021
sábado, 18 de dezembro de 2021
Citações em cinco línguas
"Ela não pensava em Deus; Deus não pensava nela. Deus é de quem conseguir agarrá-lo."
— Clarice Lispector, A Hora da Estrela, p. 26, Rocco.
"As pessoas gostam muito de identidades. Chegam a exigir uma certidão de nascimento para uma pessoa presente."
— Paulina Chiziane, O Alegre Canto da Perdiz, p. 7, Caminho.
"Eu hei-de morrer de nada, só por acabar de viver."
— Mia Couto, Venenos de Deus, Remédios do Diabo, p. 18, Companhia das Letras.
"As memórias frias da casa acordavam o cheiro da comida, do sorriso e da voz. Tudo sorria frio na casa."
— Mélio Tinga, A Engenharia da Morte, p. 37, Húmus.
"The things that are bad are accepted because the things that are good do not come easily in his way. How many a miserable father reviles with biterness of spirit the low tastes of his son, who has done nothing to provide his child with higher pleasures!"
— Anthony Trollope, Dr Thorne, p. 297, Wordsworth Classics.
«Tu hai paura? E di che mai?»
«Non lo so: se sapessi di che cosa ho paura non avrei più paura ― rispose don Camillo. (...) Quando su un pericolo si può ragionare non si prova paura. La paura è per i pericoli che si sentono ma non si conoscono. (...)»
«Non hai più fede nel tuo Dio, don Camillo?»
«(...) La fede è grande, ma questa è una paura fisica. La mia fede può essere immensa, ma se sto dieci giorni senza bere, ho sete. La fede consiste nel sopportare questa sete accettandola a cuore sereno come una prova impostaci da Dio. Gesù, io son pronto a sopportare mille paure come questa per amor Vostro. Però ho paura.»"
— Giovannino Guareschi, "La paura continua" in Mondo piccolo: Don Camillo.
"Mi madre no era capaz de resolver un problema si no lo convertía previamente en un drama. Del mismo modo que el matemático no comprende la realidad hasta que la atrapa in una ecuación, ella no entendía una dificultad doméstica si no la transformaba en una catástrofe."
— Juan José Millás, "Elaboración de productos" in Los objetos nos llaman, p. 29, Planeta.
"Le récit ramène toujours les pensées soit à des discours, soit à des événements (...). Le récit, qui raconte des histoires, n'a affaire qu'à des événements ; certains de ces événements sont verbaux ; alors, exceptionnellement, il lui arrive, pour changer un peu, de les réproduire. Mais il n'a pas d'autre choix, et par consequence, nous non plus."
— Gérard Genette, Nouveau discours du récit, p. 59, Seuil.
sexta-feira, 10 de dezembro de 2021
Doze palavras pouco ou nada dicionarizadas
Lendo alguma ficção do século XX, encontrei muitas palavras que não conhecia ― nada que não costume acontecer. Já o que não costuma acontecer é que, indo procurá-las a um dicionário, não as tenha encontrado. E que indo buscar um segundo dicionário, e um terceiro, e um quarto, nenhum deles portasse as palavras que eu buscava. Só após uma longa pesquisa fui capaz de as encontrar. Estas palavras simplesmente não estão dicionarizadas, ou porque nunca o estiveram, ou porque o já não estão (por se considerarem arcaísmos, talvez). É pena, porque são justamente estas palavras estranhas, arcaizantes, incomuns ou especializadas que o leitor médio não conhece e vai procurar ao dicionário, são estas as que a leitora média quer saber, mais do que os novos neologismos e estrangeirismos, que tanto os dicionários se esforçam por capturar (com um certo mérito, não digo que não ― como documento para o futuro, por exemplo), mas que são ouvidos todos os dias na rua.
Vasculhei os seguintes dicionários em papel: da Porto Editora (8.ª edição, 1999), Universal da Texto Editora [Texto Universal] (5.ª edição, 1999), Lello Universal (1977), Houaiss (versão de Portugal, 2002-2003), Lexicoteca (1985) e da Academia das Ciências de Lisboa (2001). E estes dicionários em linha: Aulete, Dicio, Estraviz (galego), Infopédia, inFormal, Michaelis, Morais (1.ª edição, 1789), Morais (10.ª edição, 1949-1959), Priberam, Wikcionário. Pontualmente, consultei ainda, em papel, o dicionário estilístico de Énio Ramalho (Lello, 1999), o do português medieval de Américo Machado Filho (ed. autor, 2019) e vários prontuários e vocabulários; e, em linha, o dicionário da Real Academia Galega, o da Real Academia Española, vários recursos sobre a língua medieval e tudo o que consegui apanhar de Joan Coromines.
aqueivar, v. t. ant. e pop. de alqueivar [Aulete]. (1) o mesmo que aqueibar, v. t. (Provinc.) Dar descanso à terra; o mesmo que alqueivar. P. ext. Serenar, aquietar, deter, demorar: «Arreta! aqueiba! toma aqui, cornuda!», Aquilino Ribeiro, Andam Faunos, 14. (2) Aqueibar-se, v. r. (Provinc.) Aquietar-se, deter-se, demorar-se [Morais (1949-1959)], acalmar-se [Lello Universal (1977)]. § Não aparece no da Academia, nem no Texto Universal, nem no Estraviz, nem no Dicio, nem na Infopédia, nem no inFormal, nem no Michaelis, nem no Priberam, nem no Wikcionário, nem no Morais (1.ª ed.) ― mas aparece alqueivar em todos, definido como "lavrar (a terra) e deixá-la em pousio, descanso (por um ano ou mais), para ficar mais fértil", o que nìtidamente não é o significado que a palavra tem nas seguintes frases da Filha de Labão (1951) de Tomás da Fonseca: «... e era a ela que mandavam aqueivar o rebanho ou correr às vessadas, para onde fugiam sempre as cabras ladras.» (p. 13); «O rebanho seguia-a (...). Onde havia pastagem abundante aqueivava; não havendo, logo dava sinal para largarem.» (p. 31, edição livros de bolso Europa-América, 1972). Difìcilmente se poderia alqueivar um rebanho... No Texto Universal e no Morais (1949-1959) aparece aqueirar (Terras de Moncorvo), "ensinar (o cão)", que será mais próximo, mas duvido de que o -v- naquelas frases seja um erro tipográfico. O que nos deixa apenas com a definição «por extensão» e o seu reflexivo que vêm no Morais (1949-1959) e no Lello como as únicas que se podem aplicar ali.
bugio, s. m. Originalmente, começou por designar o macaco da espécie Macaca sylvanus (Linnaeus, 1758), muito comuns ainda hoje na cidade argelina de Bugia, importante porto de comércio nos séculos XII-XV; depois, quando os navegadores encontraram os babuínos da África subsaariana (primatas do género Papio) e na falta de outra palavra, passou a designar esses primatas que, de qualquer maneira, são aparentados àqueles; mais tarde ainda, encontrando os grandes macacos-uivadores da América tropical (género Alouatta) que, embora filogenèticamente distantes de macacas e babuínos, se lhes assemelhavam bastante, bugio passou também a designar estes animais. § Esta palavra, documentada pela primeira vez em português no século XV (Houaiss, 2002-2003), até vem em quase todos os dicionários, mas é curioso como a atribuem exclusivamente aos primatas americanos (ou então a todos os primatas no geral, o que significa que os dicionaristas não fazem a menor ideia do que seja um primata), esquecendo a sua rica história; é de notar que, òbviamente, os bugios do Brasil não são provenientes da cidade de Bugia na Argélia, são primatas diferentes, ao contrário do que possa parecer a quem lê o que vem escrito, por exemplo, no da Porto Editora ou no da Academia. O Wikcionário é o único que não traz bugio como substantivo, mas apenas como forma do verbo bugiar.
cuscos (Trás-os-montes), s. m. pl. (1) iguaria típica da culinária transmontana, constituída por pequenos grãos de farinha de trigo barbela, cozidos a vapor e depois secos. (2) cada um desses pequenos grãos. Do árabe kuskus, «alimento preparado com sêmola» [Infopédia]. Grânulos de farinha; forma alternativa: cúscus [Wikcionário]. § Claro que em todos os dicionários aparece cuscuz ou suas variantes, mas essa não é a questão. Isabel Drumond Braga refere até que a designação do cuscuz por cuscos é uma especificidade de Trás-os-montes (https://youtu.be/tTPeBDqizRQ?t=1735). O Priberam, o Dicio, o Houaiss (versão de Portugal 2002-2003), o Lello Universal (1977) e o Morais (1949-1959) trazem «cusco, s. singular, [Regionalismo: Rio Grande do Sul] (1) Cão pequeno, de raça ordinária; guaipé, guaipeca, guapeca, guapeva, jaguapeba, jaguapeva. (2) Pessoa de baixa estatura e pouca importância. Do castelhano cusco.»; o Michaelis, o inFormal e outra vez o Houaiss dizem que cuscus é o nome popular dos marsupiais da família Phalangeridae, chamados meda em tétum de Timor (não parece ter designação estável em português) ― nenhuma destas definições tem a ver com os cuscos em português.
estória (1912 [1942, 1962]), s. f. O mesmo que história de ficção [vem em todos os dicionários em linha, excepto o Priberam e os dois Morais; não vem em nenhum dos em papel, excepto o Houaiss e o Machado]. § A questão da palavra estória é mais curiosa do que eu imaginava. Está documentada desde o século XIII e é simplesmente outra grafia de história, como estorya ou ystoria (Houaiss, 2002-2003; Machado, 2019). Porém (diz-nos o Houaiss, citando José Augusto de Carvalho, Discurso & Narração, Vitória, 1995, p. 9-11), em 1912, na "Explicação prévia" ao seu livro Donas de tempos idos, o 9.º conde de Sabugosa terá recuperado essa forma escrita para designar especìficamente a narrativa de ficção. Ora acontece que, lendo detalhadamente a dita "Explicação prévia", não se encontra em lado nenhum a grafia estória. Sabugosa faz ali, é verdade, uma distinção entre a ciência histórica e a arte de contar histórias, mas a única distinção entre palavras é escrever a primeira com maiúscula, História, e a segunda com minúscula, história. O dicionário Houaiss está, portanto, enganado e temos de ir buscar estória a outro lado. Em asturiano, por exemplo, estoria é sinónimo de conto (Coromines & Pascual, 1984 Diccionario Crítico Etimológico). Mas terá sido no Brasil que estória pegou com o sentido de «narrativa de cunho popular e tradicional»: «proposto por João Ribeiro e encampado por Gustavo Barroso, em 1942, o termo adquiriu popularidade e prestígio, graças, possivelmente, à publicação, em 1962, do volume de contos Primeiras estórias, de Guimarães Rosa. O termo estória nasceu, portanto, no século XX, de uma subversão ortográfica calcada no inglês.» (Carvalho, op. cit., ver aqui) ― já Mario Quintana se queixava: «Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de histórias (e não estórias)» ; «Quando me perguntam por que não aderi a essa história de “estória”, respondo (e não evasivamente) que é simplesmente porque, para mim, tudo é verdade mesmo.» ; «Como distinguir entre “história” e “estória”, eu que sempre acredito em tudo?» ; «E depois, por que hei de escrever “estória” se eu nunca pronunciei a palavra desse modo? Não sou tão analfabeto assim.» ; «Parece incrível que talvez a única sugestão infeliz do mestre João Bibeiro [sic] tenha pegado por isso mesmo...» (todas as citações extraídas do Caderno H, 1973).
lapúrdio, adj. e s. m. Lapuz; tosco; rústico. F. cf. Lapuz [Aulete, Lello Universal (1977)]. Lapónio, labrego [Texto Universal (5.ª ed. 1999)]. Grosseiro, rude [Infopédia, Porto Editora (8.ª ed. 1999)]. § Na Filha de Labão (1951) de Tomás da Fonseca: «É isto, pelo menos, o que a Santa Igreja ensina, e tu repetes aos lapúrdios que aturam os teus sermões...» (p. 68, edição livros de bolso Europa-América, 1972). O Priberam remete para lapónio, primeira acepção, com os mesmos significados acima (a segunda acepção é relativa à Lapónia, o que não tem nada a ver); nos outros não vem, apesar de vir lapuz.
mutanos, s. m. pl. Nome que em algumas localidades portuguesas dão aos molhos de pinho ou de tojo; talhas de mutano [Aulete]. Molhos de tojo ou de ramos de pinho [Dicio, Morais]. § Vi esta palavra nos Esteiros (1941) de Soeiro Pereira Gomes: «As histórias contavam-se em noites de Verão, enquanto os fornos lambiam mutanos.» (p. 53 da edição livros de bolso Europa-América, 1971); mas não a encontrei no dicionário da Porto Editora (8.ª ed. 1999), nem no Universal da Texto Editora (5.ª ed. 1999), nem no da Academia (2001), nem no Houaiss (versão europeia 2002-2003), nem no Moderno (Lexicoteca, 1985), nem no Lello Universal (1977), nem no Priberam, nem na Infopédia, nem no Michaelis, nem no Estraviz, nem no inFormal, nem no Wikcionário. Encontrei-a, sim senhor, no Aulete, no Dicio e no de Morais (1789) com as acepções dadas acimas. Curiosamente, Dicio e Morais remetem para a palavra motano, s. m., que trazem com as definições de "feixe das vides cortadas por atas" (Morais) e "lenha miúda ou paveias de mato" (Dicio); no Aulete, a entrada motano aparece definida como "lenha miúda, paveias de mato. F. duv." mas mutanos (a potencial forma correcta da forma duvidosa motano) não remete para ela... A entrada motano aparece também no Priberam (com ambas as acepções, feixe e lenha), mas em mais nenhum outro. Nem o Aulete nem o de Morais oferece uma etimologia para mutanos; Dicio sugere para motano: de mota "aterro que se faz à borda dos rios".
nutar, v. i. (do Lat. nutare) (1) Que oscila; balancear. (2) Vacilar [Lexicoteca (1985), Texto Universal (5.ª ed. 1999)]. (1) Efetuar movimento de nutação (=meneio da cabeça). (2) Demonstrar hesitação entre posições; vacilar: Ficou nutando, sem saber o que decidir. [F.: Do lat. nutare. Hom./Par.: nuto (fl.), nuto (sm.); notar (vários tempos do v.)] [Aulete]. Fig. hesitar entre opiniões ou posições [Houaiss (2002-2003)]. Não eſtar firme, ou quedo, vacillar, abalar-ſe para os lados [Morais (1789)]. § Não aparece no da Academia (2001), nem no Wikcionário, mas aparece em todos os outros.
reixelo ou rexelo, s. m. Cabrito, mas também carneiro novo, borrego, cordeiro; e também leitão [vários dicionários]. Qualquer animal (caprino, ovino, etc.) novo; rês de pouca idade [Infopédia]. § Esta palavra lá vai aparecendo nos dicionários, mas eu desconhecia-a. Na minha terra diz-se cabrito e borrego. Reixelo, de etimologia obscura, parece ser vocábulo muito mais galego enxebre do que cabrito, borrego ou cordeiro, palavras com origem comum com as castelhanas "cabrito", "borrego" e "cordero". A palavra aparece inúmeras vezes na Filha de Labão (1951) de Tomás da Fonseca, por exemplo aqui: «O rebanho seguia-a como se, de pequenos, ensinasse cada um dos reixelos. (...) Por isso, quando via um reixelo tresmalhado, chamava-o logo à obediência.» (p. 31, edição livros de bolso Europa-América, 1972); ou naquele episódio dramático da enchente (pp. 41-43)... O vocábulo só não se encontra no Houaiss, no Michaelis ou no inFormal e, naquele romance do beirão Tomás da Fonseca, parece designar apenas cabritos, que é a única acepção que lhe dá Morais (1789). O Dicionário da Real Academia Galega reconhece rexelo, mas recomenda a ortografia "roxelo" sem sequer se dignar a oferecer uma etimologia ou outra coisa que o justificasse. É com certeza só para se distanciar das formas portuguesas.
siar, v. t. Fechar (as asas), para descer mais depressa (origem obscura) [Priberam, Infopédia]. Fechar as asas (o pássaro) para descer mais rápido [F.: orig. obsc. Hom./Par.: sio (fl.), cio (sm.); cear (vários tempos do v.); ciar (todos os tempos do v.)] [Aulete]. v. at. de Volater. Siar a ave as azas, he cerralas depois de afferrar a relê, para cair com ella mais depreſſa. v. Ceiar, e Ceiavoga [Morais (1789)]. § Não aparece no da Academia (2001), nem no Estraviz; todos os outros trazem definições semelhantes a qualquer uma destas três.
ujo, s. m. Nome dado ao mocho da espécie Bubo bubo (Linnaeus, 1758), mais comummente chamado bufo-real, a maior ave de rapina nocturna existente em Portugal (e na Europa). Também conhecido por corujão, martaranho, mocho-real. § São vários os textos onde vi aparecer a palavra ujo, nomeadamente em histórias de João de Araújo Correia (Contos Bárbaros, edição Livros RTP, 1970) e no Breviário das Más Inclinações de José Riço Direitinho (Edições ASA, 1994) [pois é, não apontei as páginas e agora não encontro, lamento]. Apesar de não parecer estar em uso entre os ornitólogos citadinos, penso que ainda é palavra usada pelas pessoas do campo, o que me faz achar muito estranho que muitos dos melhores lexicógrafos da língua não a tenham incluído nos seus respectivos dicionários: a palavra aparece como entrada no da Academia (2001), no da Porto Editora (8.ª ed. 1999), no Texto Universal (5.ª ed. 1999), no Lello Universal (1977), no Aulete, no Priberam, na Infopédia, no Dicio; não aparece no Houaiss (versão europeia 2002-2003), no de Morais (1789), no Michaelis, no inFormal, no Estraviz, nem no Wikcionário. Uma curiosidade: procurando ujo no Vocabulário histórico-cronológico do Português Medieval, encontramo-lo, mas diz que corresponde ao verbo ver no português moderno, dando um exemplo do século XIV onde se vê claramente que ujo é apenas a maneira como o copista escreveu a palavra viu (u=v, j=i, o=u) e nada tem a ver com o nosso corujão.
valagoto, s. m. (Alent.) vala pequena, valeta; valigoto: «... evitando aqui uma peça, saltando além um valagoto.» (Brito Camacho, Ciente Rústica, p. 103, 2.ª ed.) F. Vala [Aulete]. (1) Noiro, corte ou talude vertical entre duas terras de nível desigual. ≃ cemba, cembo. (2) Qualquer depressão ou caída no terreno. ≃ barreira, ribado, gamarção [Estraviz]. (3) (Provinc.) o mesmo que valigoto; vala pequena; valeta [Morais (1949-1959)]. (4) (Algarve) "valagote" vale pequeno, pouco profundo, mas situado, no geral, a grande altitude [Texto Universal (5.ª ed. 1999); Morais (1949-1959)]. § Outro soberbo vocábulo que não vem nem no da Porto Editora (8.ª ed. 1999), nem no da Academia (2001), nem no Priberam, nem na Infopédia, nem no Michaelis, nem no InFormal, nem no de Morais (1789)... No Dicio, remete para valigoto, s. m., "pequeno vale", que também vem no Lello Universal (1977) e no Morais (1949-1959); no Wikcionário aparece valigota, s. f., "pequeno vale" e diz que é palavra galega... Valha-nos o Aulete, o Estraviz e o Texto Universal! Deparou-se-me valagoto na Filha de Labão (1951) de Tomás da Fonseca: «Ao fundo passava o valagoto, seco nessa altura do ano.» (p. 81, edição livros de bolso Europa-América, 1972). Parece ter mais a ver com uma vala natural por onde passam enxurradas, do que com o pequeno vale que se diz ser um valigoto ou umha valigota. Note-se como o Aulete diz que é um vocábulo alentejano e o Universal algarvio, enquanto que o único outro dicionário que o traz é o galego, e o texto onde eu o encontrei é uma história que se passa na Beira, escrita por um beirão...
venícios, s. m. pl. ??? § Esta palavra apareceu-me, também na Filha de Labão (1951) de Tomás da Fonseca, na seguinte frase em discurso indirecto livre: «O pai! Há que venícios lá ia já o pobre velho, que morrera na Arroteia, debaixo de um carro de lenha.» (p. 76, edição livros de bolso Europa-América, 1972). Não vem em qualquer dos muitos dicionários que consultei, nem sequer escrito "vinícios" (que poderia ter ligação ao nome próprio Vinício, relacionado com o vinho) ou "benícios" (que é o nome aportuguesado de um santo, São Filipe Benício). A palavra, naquela frase, parece estar relacionada com tempo, e o sentido não se perderia se se dissesse "Há que tempos" em vez de "Há que venícios", mas não tenho maneira de comprovar isto.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2021
A Narrativa (sistema de G. Genette, 1972 e 1983)
Este é só o esquema da teoria da narrativa segundo o sistema de Gérard Genette (1972, ajustado em 1983); mais tarde hei de escrever mais aprofundadamente sobre cada categoria. NB: É Genette quem divide a narrativa em história, discurso e narração, mas depois estuda apenas os planos do discurso (tempo e modos do discurso da narrativa, discours du récit, como ele lhes chama) e da narração (voz do discurso da narrativa ou da instância narrativa, isto é, do narrador). O que ele diz sobre o plano da história é mais inferido e assumido do que explícito; portanto, eu aqui fui buscar subcategorias da história a outras fontes, que mais tarde explicitarei.
1. Plano da História (conteúdo da narrativa)
1.1. PERSONAGENS
1.1.1. Grau de importância
1.1.1.1. Protagonista
1.1.1.2. Antagonista
1.1.1.3. Secundárias
1.1.1.4. Figurantes
1.1.2. Densidade psicológica
1.1.2.1. Personagem plana
1.1.2.2. Personagem redonda
1.1.2.3. Personagem-tipo
1.1.2.4. Personagem colectiva
1.2. ESPAÇOS
1.2.1. Espaços
1.2.1.1. Espaço físico
1.2.1.2. Espaço social
1.2.1.3. Espaço psicológico
1.3. TEMPO DA HISTÓRIA
1.3.1. Tempo da história
1.3.1.1. Tempo cronológico
1.3.1.2. Tempo psicológico
1.4. ACÇÕES
1.4.1. Tipologia
1.4.1.1. Acção aberta
1.4.1.2. Acção fechada
1.4.1.3. Acção principal
1.4.1.4. Acção secundária
1.4.1. Estrutura
1.4.1.1. Arco dramático
1.4.1.2. Intriga
1.4.1.3. Conflito
1.4.1.4. Complicações
1.4.1.5. Clímax
1.4.1.6. Desenlace
2. Plano do Discurso (expressão da história)
2.1. TEMPO DO DISCURSO
2.1.1. Ordem
2.1.1.1. Analepse [anacronia: eventos passados]
2.1.1.2. Prolepse [anacronia: eventos futuros]
2.1.2. Velocidade (vitesse [1983], ou duração, durée [1972])
2.1.2.1. Resumo [anisocronia: redução do tempo, TD < TH]
2.1.2.2. Elipse [anisocronia: omissão do tempo, TD = Ø zero]
2.1.2.3. Pausa [anisocronia: expansão do tempo, TD > TH]
2.1.2.4. Cena [isocronia: igualdade dos tempos, TD = TH]
2.1.3. Freqüência
2.1.3.1. Discurso singulativo
2.1.3.2. Discurso singulativo anafórico
2.1.3.3. Discurso iterativo
2.1.3.4. Discurso repetitivo
2.2. MODOS DO DISCURSO
2.2.1. Distância
2.2.1.1. Discurso indirecto (discours narrativisé) [~ to tell, ou diegesis]
2.2.1.2. Discurso indirecto livre (discours transposé)
2.2.1.3. Discurso directo (discours rapporté) [~ to show, ou mimesis]
2.2.2. Perspectiva
2.2.2.1. Focalização omnisciente (focalisation zero)
2.2.2.2. Focalização externa
2.2.2.3. Focalização interna
2.2.3. Alteração
2.2.3.1. Paralipse
2.2.3.2. Paralepse
3. Plano da Narração (produção do discurso)
3.1. NARRADOR (voz, voix)
3.1.1. Nível
3.1.1.1. Narrador extradiegético [fora da história, "nível 0"]
3.1.1.2. Narrador intradiegético [dentro da história, nível 1]
3.1.1.3. [Narrador metadiegético (ou hipodiegético [Mieke Bal]), nível 2]
3.1.2. «Pessoa» ou Relação
3.1.2.1. Narrador heterodiegético
3.1.2.2. Narrador homodiegético
3.1.2.3. Narrador autodiegético [subtipo de homodiegético]
3.1.3. Tempo da narração
3.1.3.1. Narração ulterior
3.1.3.2. Narração anterior
3.1.3.3. Narração simultânea
3.1.3.4. Narração intercalada
3.2. NARRATÁRIO
3.2.1. Narratário
3.2.1.1. Narratário extradiegético
3.2.1.2. Narratário intradiegético
Bibliografia
• Gérard Genette (1972) Discours du récit : essai de méthode, in Figures III. Éditions du Seuil, Paris, França.
• Gérard Genette (1983) Nouveau discours du récit. Éditions du Seuil, Paris, França.
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